quarta-feira, 29 de março de 2017

Despedidas....


Quando eu era criança e não me sentia parte do lugar onde vivia – naquela época a sensação de não pertencimento se limitava apenas ao espaço físico – a pessoa que eu mais invejava na vida era meu amigo Beto.

Aos 13 anos, ele já tinha morado em tantas cidades e estados diferentes, conhecido tantos lugares por causa disso, feito tantos amigos, e eu no mesmo lugar. Quase sempre na mesma casa, os mesmos amigos, a mesma escola, os mesmos professores. Tudo à minha volta era igual. Pra mim, cansativo, monótono, chato. Aquilo me causava uma agonia. Mas, por todo o tempo, alimentava a certeza de que logo eu iria embora.

Nunca perguntei ao Beto se ele gostava desse ir e vir. Também nunca imaginei que haveria algo negativo nisso tudo. Aprendi da pior forma, claro. Porque a vida não economiza em te ouvir, nem em te mostrar o que você não consegue ver naquilo que supõe ser a felicidade do outro.

Sendo assim, depois dos 14 anos seguiu-se uma série de ir e vir na minha vida. Uma troca constante de casa, de grupo social, de cidade... E então descobri o lado obscuro disso tudo: as despedidas. Para mim, perdas.

Me mudei de escola e parte dos amigos com quem estudei desde a pré-escola já não eram mais os companheiros de todo dia, com três exceções.  

Meus pais mudaram de cidade e eu fiquei, por escolha, mas já com a sensação de que não havia uma casa que fosse minha.

Um ano depois, mudei de cidade e novamente de escola. Mais um ano e meio e fui para a universidade. Foram quatro anos de entendimento do espaço, da cidade, da faculdade, dos professores, dos colegas, um tempo para se sentir parte do lugar, para se sentir amigo verdadeiro de alguém. Quatro casas em quatro anos... E com o fim do curso, parte da vida ficou para trás.

Daí quando me mudei para uma cidade em que pretendia ficar por um bom tempo – e cá estou há 15 anos - acreditava que as despedidas nunca mais iriam acontecer. Que ao meu redor, tudo seria igual. Eu que não suporto monotonia e dias iguais, queria que as coisas se repetissem por muito tempo. Queria não ter que empacotar coisas, subir e descer móveis, ir aos mesmos bares com as mesmas pessoas. Ouvir as mesmas músicas. Ter “estabilidade”.

Mas não foi assim, não é assim. Na vida de jornalista, os dias são sempre diferentes. Onde quer que você esteja, o que quer que você faça. E daí não falo apenas do trabalho. Acho que a gente vem ao mundo com um carimbinho que diz: “mude algo todo dia”; “quando ficar igual, transforme”.

Nessa vida louca, há sempre um recomeço, diário, constante. E as despedidas continuam a arrancar pedaços do meu peito. Eu não sei lidar com isso. Tenho medo do fim, tenho medo que a distância leve embora as histórias, as risadas compartilhadas, as lágrimas que não conseguimos derramar.

Tenho medo que tudo se acabe, mesmo que o tudo tenha sido construído por anos, depois de muitas despedidas e novos recomeços. Tenho medo, mesmo que eu consiga sentir para sempre o cheiro dos encontros.

Hoje era para ser um bom dia. Por fim, não é.

quinta-feira, 9 de março de 2017

Sobre Joe Satriani, amores e amigos de adolescência




Eu tinha 16 anos quando vivi o primeiro grande momento da minha vida. Daqueles que a memória não apaga, que uma simples lembrança dispara um história inteira, que faz o coração vibrar mesmo depois de passados 15, 20 anos.

Eu, uma adolescente moradora de uma pacata cidade do Interior de São Paulo de dez mil habitantes e ansiosa por voar longe, onde ninguém me alcançasse, decidi me aventurar sozinha até São Paulo para assistir a um show de rock.

Se isso aconteceu na minha vida, devo a uma única pessoa. Mateus Carnevalli Terni. Meu bem mais que amigo, meu irmão de afinidade, meu irmão de coração. Foi ele quem, dois anos antes, me apresentou a Joe Satriani. E ele que não parou de insistir para que eu fosse ao show desde o primeiro momento em que soube das três apresentações em São Paulo, e me recebeu em sua casa numa quarta-feira à noite para dividirmos esta aventura (e ainda prendeu minha mão na porta do carro do amigo, Tiago Mantovani, eu acho, na carona de volta para a casa). 

Ainda lembro o assombro geral quando Satriani, até então de cabelos compridos, apareceu no palco careca e de óculos escuros. Por alguns segundos, o inconsciente coletivo vibrou um mesmo pensamento: fomos enganados, não é ele. Mas bastou a primeira nota para saber que sim, era ele. Não tenho certeza, mas penso que ele abriu o show com “Flying in a blue dream”, uma das minhas queridinhas, mas não minha preferida.

De todas as histórias que Satra conta deslizando os dedos pelas cordas da guitarra – e às vezes a boca -, a mais esperada era “Crying”. Não consigo imaginar que alguém ali não chorou. Eu chorei, meus amigos choraram. Porque música é catarse e eu tinha muitos sentimentos saltando em meu peito. Pra mim, tão pequena, mas com tantos sonhos, era uma fagulha da vida me dizendo que sim, eu podia ir além. 





Hoje, ouvindo “Crying” novamente, olho para traz e vejo que nem fui tão longe quanto sonhava e nem sou quem imaginava ser. E isso é parte da vida que alguém com 16 anos ainda não sabe.

Mas também posso dizer que não desviei tanto da rota, não. Com essa maldita coragem que a vida me deu, que não me deixa ter medo de enfrentar nada, eu meti a cara e fui, muitas vezes achando que ia aguentar as consequências de tudo e qualquer coisa.

Eu fui fazer faculdade 500 quilômetros distante de casa, sem que eu conhecesse nada nem ninguém, e ainda brigada com meu pai que me preferia ter por perto. Eu larguei tudo para investir numa cobertura de férias de 15 dias e conseguir um emprego e uma carreira na profissão que escolhi, a contragosto de absolutamente TODOS da minha família. Eu pedi demissão depois de dez anos na mesma empresa porque precisava descobrir se era boa em outro lugar. Eu terminei um relacionamento de nove anos, com promessas de amor eterno e uma família “perfeita” também contrariando todos os prognósticos (ABRE PARÊNTESE: por muitos motivos eu agradeço a deus por isso, mas principalmente pelo fato de que, se não fosse isso, hoje eu seria avó de duas crianças mesmo sem ter tido filhos. Olha bem pra minha cara de quem ainda não chegou aos 30 se eu posso com isso. Não. Definitivamente. FECHA PARÊNTESE). Eu enfrentei a loucura de um novo, complicado e repentino relacionamento acreditando que amava demais e podia mudar o outro. Eu fiz muito, e fiz muita merda também. Graças a essa maldita coragem que me faz acordar todo dia pensando: eu dou conta da vida, mesmo diante de tantas contrariedades e placas luminosas dizendo que euvoumedarmaldenovoimpreterivelmente.



Mas ninguém dá conta de tudo sempre. Hoje eu não estou dando conta de tudo. E ouvir Satriani me faz chorar mais uma vez. Me fez lembrar do meu pai dizendo que bom mesmo é ser criança. É, bom mesmo é ser criança, mas essa também é outra verdade que a gente só descobre com o tempo.

E esse post começou porque ao ouvir “Crying” eu também chorei porque é muito dolorido quando a vida tem um ritmo diferente daquele que a gente deseja, quando as pessoas não conseguem se encontrar porque cada uma tem seu momento de descobrir o outro, porque muitas vezes essa descoberta não passa de um esboço e nunca acontece, por mais que uma das partes se esforce para alcançar uma certa sintonia. Há coisas que a gente consegue equilibrar, outras não.

Mas refletindo sobre tudo isso que eu escrevi vou encerrar este post dizendo que, ouvindo “Crying”, me dei conta de que eu tive – na real, eu tenho porque eles todos fazem parte da minha vida ainda, de um jeito ou de outro –, os melhores amigos que a vida podia me dar. Porque se eu não sou tão inteligente, tão talentosa, tão preparada quanto eles eram e são, o tive as mesmas oportunidades que eles na vida, mas eles me serviram de espelho para ter muitos grandes momentos nessa passagem e para ser melhor todos os dias, desde muito antes dos meus 16 anos.


Este post era para falar das dores do amor, mas eu termino aqui com a saudade dos fins de tarde em que eu era feliz conversando, rindo ou apenas ouvindo música com eles, os meus amigos da adolescência. Termino agradecendo pela vida deles e de seus filhos, nossa continuidade nesse plano. Ana, Renata, Mateus e Maurício. Clara, Hallina, Ludmila, Maya, Lia, Laura e Vinícius. 








sexta-feira, 8 de abril de 2016

Chico, o Shiczu: você tem amor para dar a este bebê?




Há um ano, por esses dias, uma postagem no facebook mostrava um cachorro em evidentes péssimas condições de saúde vivendo no lixão de Araraquara. A pessoa que o fotografou comunicava que iria levá-lo para castração. E, naquele momento, começava a história que conhecemos de Chico, o Shiczu, meu pequeno milagre.

A possibilidade de meu filho mais novo resistir a uma cirurgia de castração naquele dia era nenhuma. Se sua outra mãe - assim eu a considero - não visse aquele post e agisse rápido, não estaríamos aqui contando essa epopeia.


Lá foi ela, desassombrada, doida, delirante até o lixão pegar aquele pacotinho de pelos, carrapatos e ossos. Soube que uma família havia ido embora e ele havia ficado lá. Não sabemos por quanto tempo Chico viveu no local, mas o estrago foi grande.

Um banho e uma tosa longos colocaram à mostra centenas de parasitas, duas grandes feridas na pata traseira direita, provavelmente mordida de algum outro cachorro na disputa por comida, todos os seus ossinhos frágeis, as patinhas magras, um dentinho torto e olhar de sofrimento.

Chico foi diagnosticado com anemia profunda, doença do carrapato, algum problema hepático, subnutrição e desidratação. Seriam necessários muitos cuidados para que ele vivesse.

Naquele dia, Seu Bigode - seu nome provisório - foi adotado e devolvido em questão de minutos. Resgatado novamente, reuniu outra vez aquele mutirão de mães para ser salvo. Foi para uma casa onde a cachorrinha do lar teve de ficar trancada em um dos quartos porque não aceita outro animal. Alguém cuidou de pagar seus medicamentos - foram dois meses de três doses diárias. Outra pessoa conseguiu descontos e doações para sua ração e sua pastinha especial - comeu uma lata por dia durante 60 dias.

Por
dois meses, alguém o pesou a cada três dias para se certificar de que estava ganhando peso. Alguém doou outro banho e outra tosa quando os pelos mudaram de cor e conseguiram força para crescer. Alguém o levou ao médico toda semana para refazer exames. Alguém deu descontos para esses exames serem feitos. Alguém pagou por sua castração quando sua saúde já estava em ordem. Alguém deu nos horários exatos seus remédios e sua comida especial, que todos os outros cachorros da casa queriam roubar. 


Alguém o colocou no colo para esquentar seu corpinho e fazer carinho. Outra pessoa doou o travesseiro do filho para que ele se abrigasse nos primeiros dias. Alguém desativou um dos banheiros da casa para que ele ficasse seguro durante a adaptação na casa temporária.

Muitas pessoas o amaram e, mesmo torcendo e rezando por sua recuperação, não o reconheceram depois de 2 meses, tamanha a diferença de seu corpinho, já gordinho e resistente.


No dia em que peguei Chico no colo pela primeira vez, chorei de medo. Não achei que ele resistiria e não queria que ele partisse nos meus braços. Todos os dias, por pelo menos um mês, eu me sentei com ele no chão com ele nas minhas pernas e juntos rezamos para São Francisco de Assis para que ele não me deixasse, para que ele tivesse a chance de viver conosco, brincar e correr pelo quintal com os outros cachorros.

Nos dois primeiros dias em minha casa, Chico não teve forças para sair do banheiro. Comia ali mesmo e eu o carregava para o quintal, onde tentava colocar algo para fora do seu corpo. Mas ainda não havia o que descartar.

Por alguns dias, Chico só tinha medo dos outros cachorros. Grudava em mim ou, na cozinha, deitava debaixo da minha cadeira e ali ficava.

Hoje faz um ano que meu filho mais novo recebeu de pessoas muito especiais o presente de continuar vivo. E eu o presente de poder cuidar dele e ver o milagre do amor diante dos meus olhos.

Pensando na proximidade desta data, dias atrás, fiz uma postagem com fotos recentes de Chico, lindo e feliz, o oferecendo para adoção. Em menos de uma hora, cerca de 30 pessoas enlouquecidas se apresentaram para levá-lo para a casa. "Onde você mora?". "Amanhã eu já pego ele". "Estou apaixonada, ele é lindo".


Dias depois, fiz a mesma postagem, oferecendo aquele menino de um ano atrás, caquético e doente, para adoção ou lar temporário. Duas pessoas perceberam a semelhança entre um e outro, mas não ofereceram mais adoção. Uma outra - e ela apenas - se dispôs a adotá-lo com o mesmo amor de qualquer outro animal.

E este post é para dizer a essas 30 pessoas que desistiram de sua adoção que cachorrinhos fofos não nascem prontos. Não são bichinhos de pelúcia que estão sempre lindos. Eles ficam lindos quando amados, bem cuidados, alimentados, vacinados... Chico era um trapinho de gente, perto da morte. Com amor, muito amor e dedicação, hoje é um reizinho. Chico, o Shiczu, é meu filho, não dou e só empresto para as outras mães. 

Este post é para agradecer a todas as mães que Chico tem, que salvaram sua vida, algumas sem nem conhecê-lo pessoalmente e outras que choram de felicidade toda vez que o veem...

Este post é para celebrar a vida do meu chatinho, esse louco que corre pelo quintal como se não houvesse obstáculos, que morde a cara da Hanna como se ela fosse de borracha, um dentucinho que dá beijos mordidos e abraços, que come pombos (deusas!!), que briga com todo mundo por nada, que dorme no meu travesseiro quando está manhoso, que dança rosnando, que gosta de Pearl Jam...


É para agradecer a São Francisco por ter ouvido nossas súplicas. E desejar ao Chicão, o meu super-herói, muitos anos atormentando minha vida!!





domingo, 22 de novembro de 2015

Comer fora de casa é um transtorno!

Quando se tem restrições alimentares por necessidade, comer fora de casa se torna um transtorno. Isso a gente descobre bem rápido também. Acabou o prazer, a expectativa, a vontade de escolher um lugar novo, legal e com pratos deliciosos para comer. Acabou, simplesmente!

Primeiro porque ninguém sabe o que é glúten, mesmo trabalhando no meio alimentício. Segundo: 
é muito difícil encontrar um lugar com as mínimas opçõesTerceiro: ainda assim, é preciso rezar e torcer muito para não haver contaminação cruzada. Lugar "limpo" de traço só achei um em Araraquara até agora. Quarto: Você fica feito um retardado olhando tudo, estático e pensando "tem ou não tem??", enquanto as outras pessoas te olham com outras interrogações.

Bem por isso, penso um milhão de vezes agora antes de comer fora. Mas tem dias que não dá. Não tem outro jeito. E, por isso, em dois meses vivendo sob uma nova dieta, eu já ouvi as explicações mais bizarras para tem ou não tem glúten.



Na sorveteria, o dono me disse feliz que era quase tudo zero glúten. Saltei de alegria. Mas só até ele me oferecer sorvete de ovomaltine. Das duas uma, moço: ou não tem ovomaltine ou tem glúten.

A mesma coisa aconteceu com brigadeiros durante o festival de Food Trucks. A vendedora garantiu que o produto dela com ovomaltine não tinha glúten. Eu discuti educadamente e não comprei. No outro dia, me pediram desculpas e assumiram que tinha. Claaaaro que tinha!! Mas, e se eu tivesse comido??

Outra situação é que as pessoas confundem glúten com qualquer coisa, menos com farinha de trigo. Já me disseram "ah, tem glúten" porque tinha milho, porque tinha leite, porque não era light. Já me disseram que tinha no pudim, depois não tinha mais. Já me disseram que tinha na tapioca, mas não voltaram para se explicar.



E, mesmo sendo necessário, é muito desagradável ficar perguntando se tem farinha, se tem molho shoyo, se tem tempero pronto, sazón, a pqtp......... Porque a maioria das pessoas acha que é frescura mesmo. Não é. Quem me dera ser.



De forma geral, minha alimentação hoje se restringe a frutas, verduras, carnes, coisas com arroz e coisas com mandioca. São a base de tudo. Fora de casa, o cardápio é isso, quando tem essa opção. E rezar nem sempre ajuda. No mesmo Food Truck fiquei feliz quando a atendente me perguntou se eu era celíaca quando eu questionei se a geleia de pimenta tinha glúten. Mas, meia hora depois de comer os quadradinhos de tapioca, lá estava eu passando mal. Muito provavelmente eles fritaram os quadradinhos no mesmo óleo de outros produtos com farinha de trigo.

Sendo assim, comer fora de casa só é seguro se for nas coxinhas douradas de Bueno de Andrada. Sim. Um distrito de Araraquara. Uma lanchonete que era uma venda 20 anos atrás e que teve que se reinventar para sobreviver quando o asfalto trouxe as pessoas para fazer compras na cidade.


É nesse lugar que você pode comer sem medo de se contaminar com glúten, com soja, com ovo, com peixe ou leite. Porque lá, na lanchonete da beira da estrada, as pessoas estão olhando lá, mas bem lá na frente. Seu Freitas e sua esposa Sonia têm entre seus funcionários uma engenheira de alimentos. Fizeram uma cozinha separada para fazer as coxinhas sem alergênicos. Têm uma equipe preparada para evitar contágio. Lá na frente, bem lá na frente eles estão.

Daí, volto ao começo. Glúten e outros alergênicos não são coisas de outro mundo. Há muita gente com restrição alimentar. E lá em Bueno as pessoas sabem disso. Lá onde mal pega sinal de celular, tá. Mas existe algo que se chama conhecimento, informação, e outra que se chama tino comercial, empreendedorismo. É isso que faz a diferença entre "Glúten?????" e "temos duas opções de produtos sem glúten para celíacos"!

Pena que não dá pra comer coxinha todo dia, né? Porque é preciso aproveitar a vibe do glúten e os mais de dez quilos a menos!!



terça-feira, 10 de novembro de 2015

Uma vida de arroz e mandioca...



Quando me dei conta de quantas coisas no mundo têm glúten em sua composição, minha sensação mais forte era de ser uma completa idiota. Tive tanta raiva do mundo que eu poderia estapear várias vezes todos esses estúpidos que vivem por aí fazendo dietas restritivas sem necessidade.

Claro, cada um come o que quer, quando quer e isso não é problema meu. Cada um com seus problemas. A questão não é essa, embora tenha lido em várias publicações especialistas dizendo que quem não tem restrição a glúten não deveria tirá-lo de sua dieta.

Ao me deparar com os alimentos que nunca mais poderei comer, 
a menos que queira passar mal novamente, até o fim da minha vida - e isso quer dizer mais uns 30, 40 anos, com sorte, porque não pretendo viver mais que isso - me lembrei de uma conversa que tive na academia com uma pessoa que corria na esteira ao lado da minha. Na época, eu havia emagrecido entre 12 e 15 quilos, mas a colega me sugeriu tirar os alimentos com glúten da alimentação para perder mais peso. E em seguida me relatou que não comia mais pães e massas. 


Hoje, eu gostaria muito de encontrá-la novamente para perguntar se ela realmente tirou todo o glúten da dieta. Porque deixar de comer pão, pizza, bolo, biscoito, macarrão por causa do glúten, maravilha. Mas será que ela e as outras pessoas que dizem fazer dieta restritiva tiraram mesmo TODO o glúten de sua alimentação?

Será que elas olharam os rótulos dos cereais, dos iogurtes, dos molhos, do risoto pronto, do ovomaltine, das cervejas, da aveia, da barra de cereal, dos chocolates para conferir se tinha ou não o famigerado glúten?

Será que, assim como eu, essas pessoas deixaram de tomar cerveja ou uísque porque neles há traço de glúten? Será que nunca mais comeram queijos, embutidos, almôndegas, lanches e sorvetes porque neles há glúten?
Não preciso perguntar pra saber. E dou dois dedos meus se alguém com dieta restritiva se privar 100% de tudo o que tem glúten como eu e os demais celíacos temos que fazer. Dois dois dedos meus se essa gente fizer como as mães das crianças APLV, que ficam enviando emails para as indústrias alimentícias para pedir laudos e pareceres técnicos sobre a presença de lactose, proteína do leite, soja, ovo, peixe e amendoim nos produtos que querem comer, mas que não podem para que seus filhos não adoeçam. Sinceramente, nem sei o que, por fim, essas mães comem...

Dois dedos por alguém não celíaco que deixa de comer um doce com glúten ou fica 
numa festinha sem comer nada porque tudo o que tem é com glúten.


Dia desses, a EPTV São Carlos fez uma matéria com pessoas que fazem dieta restritiva para glúten e um dos entrevistados disse sorrindo - é a realidade dando socos na nossa cara - que não come glúten, mas todo dia come pão francês. Amigo, vai à merda!!

Ficar por aí pagando de "sou o bonito que não come glúten" é uma graça na academia, pega superbem com o instrutor, com os coleguinhas,  mas não tem efeito nenhum pra quem nunca mais vai poder ingerir qualquer uma dessas coisas listadas acima sem ter dermatite, diarreia, cólicas intestinais, dores de estômago, fraqueza, sintomas de depressão, dor de cabeça, cansaço e perda de peso, exatamente meia hora depois de se alimentar. É, a gente não precisa de muito tempo pra saber que algo está errado.

Como disse minha amiga Erika Tonelli, que vem travando essa batalha porque o pequeno Matteo é APLV, nunca meu quadril será tão estreito! Por enquanto, ainda não cheguei lá. Mas, mesmo que estivesse lá, não faria com que eu me sentisse menos idiota ao olhar o rótulo de todos os chocolates do mercado na esperança de que um deles tivesse a inscrição "Não contém glúten".

Só pra constar, se você quiser alegrar meu dia, Kinder Ovo, Kinder Chocolate e brigadeiros feitos com Chocolate do Padre em Pó e algumas marcas de achocolatado (as duas mais conhecidas não podem ser usadas) não contêm glúten. E têm me salvado nas crises de TPM. 



Aliás, esse é um movimento aconchegante. Depois desse advento, todas as pessoas do seu convívio passam a olhar os rótulos para ver se tem ou não tem glúten. E toda vez que encontrarem uma placa de "Sorvete sem glúten" ou "Chocolate sem glúten" imediatamente seu nome surgirá.
Mas sempre vai ter alguém que acha que "um pouco pode". Isso acontece mesmo entre aqueles que já estão cansados de te ouvir falar de glúten. Não, não pode. Não pode um pouco, não pode fritar no mesmo óleo. Não pode assar no mesmo forno. Não pode usar a mesma colher. Não pode colocar na mesma vasilha. Não pode usar a mesma buchinha para lavar. Porque os traços provocam a mesma reação de um pedaço de pizza.

Ou seja, para mim, que sempre disse que a comida era o meu vício, o glúten é a minha droga. E vale a mesma máxima da reabilitação que diz "Um é muito, mil é pouco". Isso quer dizer que devemos evitar o primeiro pedaço porque, uma vez contaminados, tanto faz se comemos um pedaço ou morremos de tanto comer. A abstinência já foi embora!!

Vamos lá, então, viver uma vida de arroz e mandioca, porque é tudo o que nos resta!








domingo, 8 de novembro de 2015

Cia. Raça, o tango e uma explosão de sentimentos!



Ser jornalista e cobrir a editoria de cultura por mais de cinco anos me deram o privilégio de caminhar junto com as artes. Aqui, descobri a vida que salta do palco do teatro e da dança, manifestações com as quais havia dito pouco contato até chegar à faculdade. Venho de um lugar que até hoje carece desse tipo de conhecimento.

Por motivos pessoais, que me fizeram me recolher, e também pela baixa na agenda cultural da cidade, há meses estava sentindo falta de me envolver em histórias que não são minhas. E, 
ao ver uma reportagem sobre a vinda da Cia. Raça com "Tango sob dois olhares" para Araraquara soube que esse era o melhor momento para me sentar novamente à frente do palco do Sesi, um lugar pelo qual tenho tanto carinho e onde tive experiências pessoais intensas e íntimas nesses mais de 10 anos de Araraquara.

Ontem, me deparei novamente com um momento muito especial naquele palco. Provavelmente, uma das coisas mais lindas que vi nessa vida.

Não tenho palavras para dimensionar com justiça minhas impressões e a explosão de sentimentos que houve dentro de mim - e posso apostar que em toda a plateia, porque vi muita gente, homens e mulheres, saindo emocionados do teatro.

A paixão, a tristeza, a força dos tangos de Piazzolla, trilha e inspiração da coreografia de Roseli Rodrigues, se juntaram a construções poéticas - as mais belas com três bailarinos, homens, mulheres, homens e mulheres - de muita intensidade, histórias de amor, traição, busca, sedução, vingança, dor, tristeza, volúpia.

A sequência final nos faz pensar que há no mundo coisas bonitas e coisas magníficas, e que até então só tínhamos conhecidos as primeiras. Tinha vontade de gritar....

A apresentação foi aplaudida em cena aberta pelo menos três vezes. Minha vontade era abraçar cada um dos bailarinos (os quais, reforço palavras anteriores, invejo porque nenhum corpo pode ser mais belo, doce e leve que o deles, nem mais resistente... sempre tento mensurar o esforço que fazem no palco, mas me parece infinito) em retribuição à felicidade que sentia ao fim do espetáculo.



Como tenho o privilégio de morar perto do Sesi, vou e volto a pé, em meu caminhar pude rever aquelas cenas mentalmente, sorrindo sozinha pela rua, embevecida no branco e preto, em tanta beleza.

No caminho, meus pensamentos foram invadidos duas vezes. Um casal cantando "Evidências" em um karaokê, que me fizeram lembrar do meu querido Lu Andrey e seu "Nuvem de Lágrimas", em cartaz em São Paulo. E um maluco de moto que quase me atropelou, gritando é campeão. Nesse momento, fiquei ainda mais feliz por ter superado a reclusão e ido me energizar com a arte alheia, ao invés de ficar entre lamentos e futebol ruim em casa.

Hoje, minha oração do dia foi dedicada a esse espetáculo de amor e a todas as pessoas envolvidas com ele!

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Doença celíoque??




A primeira vez que ouvi falar de doença celíaca foi na faculdade. A cena marcante ainda hoje me faz rir, apesar da representação que o problema tem hoje em minha vida.

Era uma noite de gravação de programa de rádio, eu e Silvio apresentávamos quando ele dá um grita no estúdio: "Doença celí o que? Quem colocou isso no texto?". Por meia hora, a gravação parou porque fez-se o furacão.

Cris colocou aqui no texto. Ela era estagiária da Rádio Unesp e fazia boletins informativos das pesquisas científicas de todas as Unesps. Aquela, coincidentemente, era de uma professora de Botucatu, mãe de amigos de amigos meus. Quem diria que a professora Cereda ia fazer mais que emprestar a casa para jogarmos computador nas tardes quentes.

Passados tantos anos desde o Ensino Médio em Botucatu, outras tantos desde a faculdade em Bauru e cá estou eu em Araraquara diante da doença celíaca.

Há alguns meses, uma série de adventos físicos têm acometido meu corpo e minha mente. Em nenhum momento, juntei tudo. Até porque sei tudo de doenças, né. Também não me preocupei muito em cuidar nem de uma coisa, nem de outra. Não tinha disposição pra nada.

Mas, então, em junho, depois de uma viagem para Foz do Iguaçu, percebi que estava perdendo peso sem esforço. Pra muita gente, a notícia poderia ser alvissareira. Pra mim, foi um susto. Mais de 20 anos brigando com o próprio corpo, engorda, emagrece, e um guerra pra perder peso e manter o corpo na mínima ordem possível.

Depois de mais algumas semanas, o pior aconteceu: perdi tanto peso que perdi uma calça. Nesse momento, fiquei com medo. Um médico me disse, certa vez, que isso só poderia acontecer com alguém se a pessoa estivesse com câncer, aids ou tuberculose. O diagnóstico, felizmente, não foi tão devastador. Mas me desconcertou. "Deu positivo para doença celíaca. A partir de hoje, você não pode mais comer glúten. Vá no mercado e olhe tudo, ok?"


Tá bom, doutora, olho tudo. Mas não ia olhar. Afinal, é fácil. Não tem glúten onde tem farinha de trigo. E tem trigo em pães, massas. Ponto. Foi a primeira vez que chorei comprando comida. Não, amigo, o mundo é feito de glúten. Além do pão francês e todos os outros tipos de pães que eu amo e encontro no mercado e na padaria, estão o macarrão, a massa de lasanha, os lanches, as pizzas, os iogurtes, queijos, carnes embutidas, molhos prontos, sopas prontas, risotos prontos, miojo, alguns tipos de sorvete, achocolatado, leite condensado, bolos, cerveja, uísque.... A lista parecia não terminar nunca. Na verdade, acho que ainda não descobri tudo o que não posso comer...
Pra você que tem dúvidas sobre o que é a doença celíaca, uma historinha rápida. É uma doença autoimune e, como tal, ela se defende de um ataque que não existe.

Nesse caso, o vilão é o glúten. Então o corpo pega o glúten (uma proteína presente no trigo) e tudo o que vem com ele e joga fora. Daí, sofremos com perda de peso porque nenhum nutriente é absorvido, queda de cabelo, fraqueza, depressão, desânimo decorrentes da falta de vitaminas etc, dores abdominais terríveis, diarreia (é a tal da síndrome do intestino irritado), osteoporose, dermatite herpetiforme (e essa coceira filha duma puta) e, se eu não produzisse ferro em excesso, teria anemia. Não é intolerância, não é alergia. Não tem cura. Não tem outra saída a não ser parar de ingerir glúten.
Desde o dia do diagnóstico, meu mundo agora se resume a farinha de mandioca e farinha de arroz. Dentro de mim, houve muita revolta, como sempre digo, me senti uma idiota por não poder comer mais as coisas que eu mais gosto, mas agora, passados quase dois meses, entendo o que a vida, o mundo, Deus, eu mesma fizemos por mim. Eu não parei, então meu corpo fez essa gentileza. Além disso, pra quem tinha um diagnóstico de pré-lúpus, a vida tá bem fácil. Vou comer tapioca todo dia e jamais vou reclamar.