quinta-feira, 17 de abril de 2014

Meu amado Gabo!



Neste dia triste, meu querido Gabo, é impossível não falar de você. Apesar de todos os nossos encontros, lembro do primeiro contato que tivemos. 

Meus pais já moravam na praia, eu tinha 15 anos, e estava na casa da vó Ester. Tio Milton chegou com um exemplar de "Amor nos Tempos do Cólera" para nos visitar. Nunca havia ouvido falar de você. Eu peguei o livro e me sentei na poltrona ao lado da estante. A tevê estava ligada e eu só queria saber da morte de Juvenal Urbino.


A visita partiu no dia seguinte, o livro foi junt

o, mas eu fui lá na biblioteca da escola te encontrar. Foi um ano de leituras muito boas, de grandes descobertas. Erico Veríssimo e Rachel de Queiroz foram bons companheiros com "Incidente em Antares" e "Memorial de Maria Moura". Mas nenhum deles foi maior que você. 

Florentino e Firmina foram me conquistando e se tornaram os protagonistas da melhor história de amor de todas que eu conheço. Esse vai e vem do caralho, essa dedicação sem fim me fizeram voltar a eles em outra fase da minha vida, na faculdade, e estou certa de que estarão comigo em breve e de novo e de novo até o fim da minha vida. Porque eles são amigos dos quais a gente nãos e afasta, mesmo com a longa distância.


Uma pena a pessoa que emprestou meu livro não ter devolvido. Não importa. Eu vou encontrá-lo novamente.



Sem você, Gabo, minha entrada na faculdade teria uma outra história. Possivelmente, meus amigos se lembrariam de mim de outra forma. Mas foi você que estreitou os nossos laços - que nunca mais foram desfeitos e eu te devo mais uma - com as suas costelas da morte. Foram longas horas juntos, muitas discussões, noites sem dormir até entender que diabos era a outra costela da morte. 

Também foi você que me fez corrigir a professora Malu, que te chamou de escritor argentino, boliviano, não sei, em frente a toda a sala. Só pra deixar minha marca, você sabe como é. Foram duas no mesmo dia. Também tive que pedir a ela para não nos interromper na apresentação do trabalho, senão não conseguiríamos terminar o seminário. Que impertinente! 


Em Araraquara, ganhei três dos
seus livros. Um deles, "Memórias de Minhas Putas Tristes", foi a própria Record que me enviou. Acho que foi o melhor livro cortesia de editora que recebi. Fiz planos de ler em espanhol, mas desisti na época. Li e reli. E ainda volto a ele para buscar meus trechos preferidos. Está lá no fim de uma das fileiras das estantes me esperando para novas reverências a você.

Faz apenas alguns dias, antes de saber do câncer, que pude falar sobre você com conterrâneos. Pois é, isso mesmo. Na última quimioterapia da Mel - olha a ironia da vida! - fomos atendidos por dois médicos colombianos que ficaram orgulhosos quando eu disse que tenho vontade de conhecer a Colômbia porque meu escritor preferido é você.


Queriam saber tudo. Como te conheci. Que livros li. Qual o preferido. E disseram: gostamos muito dele na Colômbia!! Eu sorri e disse: Gabo faz parte da minha vida.
Mais que isso. Gabo viverá para sempre em mim porque constrói a pessoa que sou há 20 anos.

Obrigada, Gabo, por nos unir no amor, na literatura, nas discussões, nas descobertas, na vida, aqui e além!!
"Então os piores anos da minha vida passaram. Contei os eternos minutos um a um, enquanto esperava pela sua volta. Mas não me importo. Ficarei de vigília por toda a eternidade. Ficarei de vigília até morrer, se for preciso".

"Convenceu-a de que a gente vem ao mundo com as trepadas contadas, e as que não se usam por qualquer motivo, próprio ou alheio, voluntário ou forçado, se perdem para sempre."



"Não sou nada. Não me curarei nunca na vida. Fui atingido pelo raio do amor e me queimei além de qualquer cura. Ela é uma farpa que não pode ser retirada. Ela é parte de mim, onde quer que eu vá. Ela está em todas as partes".




"Depois de 54 anos, sete meses, onze dias e noites, meu coração finalmente se realizou. E eu descobri, para a minha alegria, que é a vida e não a morte, que não tem limites".

"- Até quando o senhor acha que podemos ficar nesse ir e vir do caralho?
 - Por toda a vida!"


quarta-feira, 9 de abril de 2014

Dossiê H: Homero, epopéia, cegueira e teoria literária...

Logo depois do Natal alguns dias de folga e, como não podia dirigir, fui para a praia de ônibus e aproveitei para fazer algo que adoro - ler durante a viagem.

Escolhi um livro que comprei há tempos - tenho o hábito de sempre entrar nos sites das livrarias e procurar livros com desconto, principalmente de autores que eu nunca li... Este é um caso de "Dossiê H", de Ismail Kadaré, autor albanês que escreveu também "Abril Despedaçado", a mesma história do filme de Walter Salles.

Tirando esta adaptação para o cinema, o escritor não é muito conhecido por aqui, mas na Albânia ele é a principal referência em literatura.
Nunca tinha lido nada dele até então. O livro estava lá entre os outros fazia uns quatro anos e não sei por qual motivo nunca tinha me empolgado em lê-lo antes. Também não sei explicar porque quis ler desta vez.
Para quem gosta de conhecer autores de outros países, fora da lista dos cânones, vale as horas de leitura. Quem quiser se aventurar por outras obras dele, indico “Abril Despedaçado" e "O General do Exército Morto".
Gostei de "Dossiê H", porém ele não empolga qualquer leitor. Muita gente não passaria da vigésima página. Mas eu, com alguma insistência, fui em frente e fiquei feliz com o resultado.
O livro conta a história de dois pesquisadores irlandeses que vão para uma cidadezinha localizada nas montanhas da Albânia para pesquisar a epopéia do local... Segundo um especialista em Homero, é lá que está a última manifestação autêntica da epopéia do grego... E lá vão eles à procura dos rapsodos com uma novidade para a época: um gravador para registrar os cantos.
A chegada dos estrangeiros mobiliza toda a comunidade local, principalmente o subprefeito, que acredita se tratar de espiões porque a epopéia é a metáfora do autor para tratar dos conflitos nos Bálcãs, dos combates históricos entre Albânia e Sérvia.
Falando assim, parece de fato interessante... pelo menos a mim interessaria... mas o detalhe é que quem não curte teoria literária vai achar um porre. O tempo todo os personagens ficam falando sobre as relações entre a epopéia de Homero e a albanesa, porque os rapsodos omitem um trecho da epopéia em dado momento e lembram em outro, quais os fatores que levam ao esquecimento, como os personagens da história grega se assemelham com os da albanesa... e por aí vai.
Para quem curte teoria literária é um prato cheio, dá para fazer várias considerações junto com eles, mas quem não gosta não lê mais que 20 páginas...

É interessante também como ele relaciona a cegueira de Homero com a cegueira de um dos personagens principais, a dos próprios rapsodos e a necessidades de ouvir mais do que ver para se contar boas histórias.
Também gosto como ele intercala a narrativa principal com narrativas paralelas, em que aparecem os relatórios do informante - texto truncado e técnico admirado pelo subprefeito - e as anotações de um dos pesquisadores.
Fora isso, é rápido e bom de ler também deitado na areia da praia, tomando sol e ouvindo o barulho do mar. Ai...

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Senhorita Julia e a insônia

Texto publicado em 06 de outubro de 2008 no blog Paulo Coelho não é Literatura!

Madrugada de sábado para domingo, véspera de eleição - sinônimo de alerta vermelho no trabalho -, dezessete horas seguidas na redação e, quando chega o momento do descanso, tudo o que podia acontecer para melhor a minha 
vida era ter insônia. Como sempre tenho livros ao lado da cama, resolvi ler.

Escolhi dois livros que a Global Editora me mandou uma semana antes e que ainda não tinha tido tempo de ver. Eram duas adaptações de teatro jovem. Coisa fácil de ler. Mas odeio adaptações porque é aí que os clássicos se perdem. Dizem que é um incentivo, mas ninguém lê uma adaptação vai ler o original e os jovens nunca vão ler os clássicos... É o que penso... Incentivo é educar o sujeito, dar bons livros para ele na infância e, então, adulto, ele irá chegar às boas leituras.
Um desses presentes da editora era “Três Irmãs”, de Tchekhov. O outro era “Senhorita Julia”, do dramaturgo August Strindberg, e é sobre ele que quero falar.
Criador do teatro expressionista e um dos maiores escritores suecos de todos os tempos, Strindberg é um escritor novo para mim.

"Senhorita Julia" foi escrito há mais de cem anos, em 1899 para ser exata, e foi adaptado para o cinema e levado para o teatro do mundo todo.
Julia é a filha do barão que não se importa de se misturar com os empregados e acaba se envolvendo com um deles. A princípio, ele a trata como a princesa que é. Depois de seduzi-la, no entanto, mostra para ela que ter um título não é nada quando este não é honrado - uma mulher como ela jamais poderia se deixar envolver por um simples empregado.
Me atraiu muito a forma como o discurso dos personagens vai colocando uns aos outros em um enredo em que ninguém sai da história. Um vai induzindo o outro a agir, mas ao mesmo tempo abre lacunas que permitem ao outro também conduzi-lo na trama. O texto é muito amarrado. Quero ler o texto original e outras coisas que ele escreveu.
Na apresentação do livro, Sábato Magaldi afirma que “Senhorita Júlia” é a prova de que Strindberg não desdenhava do palco - afinal, era dramaturgo - mas tinha outra forma de pensar a encenação. Essa suposição de que ele odiava o palco veio da seguinte declaração: "o teatro - e a arte de maneira geral - parece-se me sempre uma Bíblia pauperum, uma Bíblia em imagens para aqueles que não sabem ler o que está escrito ou impresso". A declaração é pesada, quase reacionária, mas nestas horas é melhor apenas ler os livros do cara.
PS. Há uma frase dita por Julia que poderia ter sido dita pelo meu amigo Richard, e aqui segue em homenagem a ele: "A pobreza deve ser a pior das infelicidades". 

quinta-feira, 3 de abril de 2014

Livros com 'v' de Volta... e uns poeminhas!

No momento em que descubro que tenho mais um livro perdido por aí porque quem o emprestou não devolveu, meu mau humor explode.

Se você está com “Assombrações do Recife Velho”, de Câmara Cascudo, "Amor nos Tempos do Cólera" e as principais obras de Ignácio de Loyola Brandão me devolva já! –

Enquanto eu espero que alguém tenha a dignidade de aparecer com um deles, poeminhas para tentar melhorar o dia. 

#bomdiapravocequedevolveoslivrosqueempresta





"Atirei um limão n'água
antes não tivesse feito.
Os peixinhos me acusaram
de amar com falta de jeito
Atirei um limão n'água
fez-se logo um burburinho.
Nenhum peixe me avisou
da pedra no meu caminho."
"Lira do amor romântico", de Carlos Drummond de Andrade, em "Amar se aprende amando"


"Eu sou carvão!
Tenho que arder
e queimar tudo com o fogo
da minha combustão."
José Craveirinha


"Me tornei cantiga determinadamente
e nunca terei tempo para morrer"
Solano Trindade


"Quero um dia para chorar,
Mas a vida vai tão depressa!
- e é preciso deixar contida
a tristeza, para que a vida,
que acaba quando mal começa,
tenha tempo de se acabar"


"Não por mim, mas por ti choro,
- por teu pálido momento.
Vou-te dando a vida toda,
e assim mesmo vais morrendo..."
“Canção”, de Cecília Meireles


quarta-feira, 2 de abril de 2014

Poemas de voar de Eduardo White



Poemas do escritor moçambicano Eduardo White. 

"Os versos não dormem de tanto terem para dizer.
Sozinhos por sobre o papel,
já embainham escolhidas as palavras,
uma a uma,
desde a sílaba à vogal
Que posso fazer?"

"Não sei se agora
era um corpo que escreveria
ou um país como este que é o meu
com feridas fundas
e vozes de sangue
por entre os dentes."
  
País de mim
O peso da vida!
Gostava de senti-lo à tua maneira
e ouvi-la crescer dentro de mim,
em carne viva,
não queria somente
rasgar-te a ferida,
não queria apenas esta vocação paciente
do lavrador,
mas, também, a da terra
e que é a tua
Assume o amor como um ofício
onde tens que te esmerar,
repete-o até à perfeição,
repete-o quantas vezes for preciso
até dentro dele tudo durar
e ter sentido
Deixa nele crescer o sol
até tarde,
deixa-o ser a asa da imaginação,
a casa da concórdia,
só nunca deixes que sobre
para não ser memória.


Poemas da ciência de voar
Uma mão relampeja na casa da escrita.
Faísca Troveja.
Procura um claro instante para a aparição.
Pode-se vê-la correr pelo dorso do papel,
deitada do seu lado ou do seu modo rastejante,
pode-se vê-la provando o ruminante delírio das palavras,
a sua rasante arrumação,
e leva vozes aquela mão em cada delicada passagem,
rítmica, latejante
ou um nervo animal que faz lembrar
a textura pedestre do papel.
Mas a mão voa, explosiva,
e não cai nem agoniza no espaço vibrante onde se comunica.

Voar é um fervoroso recolhimento.
E no que é quase a medida elementar do esquecimento
a escrita navega
num estuário de silêncio.
Escrever é uma droga antiga,
uma bebedeira que queima com lentidão
a cabeça,
traz as luzes desde as vísceras,
o sangue a ferver nas vias tubulantes,
traz a natureza estimulante das paisagens
que temos dentro.

Ocorre-me agora
a pupila minúscula de uma criança.
A sua engenharia
desde o corpo na guerreira pequenez
ao dedo provador da boca.
Ocorre-me esta criança
este monge da franqueza em seu templo de inocência.
Amo-a. Vivo-a.
Voar é poder amar uma criança.
Sonhar-lhe o peso no colo, as mãos acariciantes
sobre a palma da alma.

Voar é tardar a boca
na rosa do rosto de uma criança.
Pronunciar-lhe a ternura,
a seda fresca e pura
da sua infância.
Voar é adormecer o homem
na mão sonhadora

de uma criança.