segunda-feira, 8 de setembro de 2014

"Belo Belo, Tenho Tudo Quanto Quero"




Confesso que tenho uma certa, não, uma grande resistência em ler autores que não são consagrados. Na indecisão do que ler agora, fico sempre com alguém que já é dono dos meus dias.

Sempre acho que, embora o sujeito tenha ganhado um prêmio aqui e outro ali, o que vou encontrar é ainda um embrião de bom escritor, bom. Muitas vezes, foi isso que aconteceu, e eu desisti do livro e do autor, para sempre.

Mas, às vezes, a vida nos surpreende. E não é para pior, como costuma ser. 

No final de semana, depois de ler "Caim", sobre o qual vou escrever mais tarde, fiquei no impasse do que seria... 

Quando percebo que o ritmo de leitura está bom, costumo optar por livros menores e diminuir a angústia de saber que vou morrer e não vou conseguir ler todos os livros que quero. Inicialmente, escolhi "A Hora da Estrela", uma história que conheço há mais de 20 anos, mas por meio de outros, mas que, também por motivos que devo relatar mais tarde, abandonei lá na página 32.  

Foi então que me veio à mão "Um Beijo de Colombina", um livro de Adriana Lisboa que ganhei da Editora Rocco na Bienal do Livro de São Paulo em 2004. Foram muitas tentativas de lê-lo nestes dez anos, porém, nos momentos em que me deparei com ele, senti que não teria estrutura emocional para a leitura.

Em "Um Beijo de Colombina", um homem narra sua história com a companheira logo após a morte dela por afogamento. Todas as vezes, achei que não ia aguentar. Ainda não sei como estarei ao fim do livro, mas chegar até ele não será um problema de ordem literária.

Fiquei surpresa com o texto de Adriana Lisboa, embora muitas vezes a beleza, a sutileza e a intensidade dele sejam influências diretas de Manuel Bandeira.

Neste texto cheio de metalinguagens - algo de que eu não gosto, mas que funciona muito bem "Um beijo" - o narrador é um professor de latim que escreve para passar a dor e usa como referências textos de Bandeira. Este era o mesmo recurso que

Teresa, a companheira que partiu, usaria em seu novo romance. Ela era escritora, tinha dois livros de poesia e um romance bem sucedido publicados.

Todos 
os capítulos têm nomes de poemas de Bandeira e cada um deles faz referência a pelo menos dois textos do autor. Para a minha felicidade, Adriana Lisboa cita no final todos os poemas que usa em sua prosa... e cá estou eu enlouquecida lendo dois livros ao mesmo tempo...

Sim, peguei minha querida amada adorada "Antologia" de Bandeira para acompanhar a "Colombina". Só por isso, a leitura não rendeu mais... 

Estou apaixonada pela história, pelo texto, apesar da angústia da dor da perda do personagem... 


Para quem quiser mais referências, Adriana Lisboa recebeu o Prêmio José Saramago por "Sinfonia em Branco", foi finalista do prêmio Jabuti na categoria romance com "Colombina" e recebeu o prêmio Autor Revelação da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil com "Língua de Trapos" e Moinho Santista pelo conjunto da obra. Ela também pode ser encontrada na coletânea "25 Mulheres que estão fazendo a nova Literatura Brasileira", da Editora Record, organizado por Luiz Ruffato, outro presente da Bienal de 2004 que leio aos poucos. 

Se você não tem os meus bloqueios, siga em frente! O próximo passo é procurar outros livros dela, mais recentes, porque, dez anos depois, ela deve estar bem melhor. "Belo belo. Tenho tudo quanto quero".

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

"Só recolho o gosto infinito das respostas que não se encontram..."

Cecília Meireles é uma das minhas poetas preferidas. Leio e releio seus poemas e sempre me impressiono com a solidão, do desencontro e até o abandono contida neles. Por vezes, são acompanhados de dor; outras, são retratados com leveza e resignação. 

Sempre me identifiquei com eles, e alguns trago nesta seleção. 


"
Mas, nesta aventura do sonho exposto à correnteza,
só recolho o gosto infinito das respostas que não se encontram."

Boa noite e bom final de semana a todos!


"Noções

Entre mim e mim, há vastidões bastantes
para a navegação dos meus desejos afligidos.


Descem pela água minhas naves revestidas de espelhos.
Cada lâmina arrisca um olhar, e investiga o elemento que a atinge.

Mas, nesta aventura do sonho exposto à correnteza,
só recolho o gosto infinito das respostas que não se encontram.

Virei-me sobre a minha própria experiência, e contemplei-a.
Minha virtude era esta errância por mares contraditórios,
e este abandono para além da felicidade e da beleza.

Ó meu Deus, isto é minha alma:
qualquer coisa que flutua sobre este corpo efêmero e precário,
como o vento largo do oceano sobre a areia passiva e inúmera..."



“Permite que eu volte o meu rosto
para um céu maior que este mundo,
e aprenda a ser dócil no sonho
como as estrelas no seu rumo.”


“De tanto olhar para longe,
não vejo o que passa perto,
meu peito é puro deserto.
Subo monte, desço monte.”


“Eu ando sozinha
ao longo da noite.
Mas a estrela é minha.”


“Quem nasceu mesmo moreno, 
moreno de vocação
gosta de mar e sereno, 
de estrela e de violão.
Pode até gostar de alguém
Mas nunca deixa a solidão.”


“Tudo em ti era uma ausência que se demorava: 
uma despedida pronta a cumprir-se.”


“Não faças de ti um sonho a realizar. Vai. Sem caminho marcado. Tu és o de todos os caminhos.”






quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Eu não gosto muito, mas você quer mesmo assim?

O blog tem o nome que tem por uma única razão. Eu sou chata. E, consequência disso, motivos para implicâncias chovem na minha frente nas mais diferentes situações, mas, principalmente, com atendentes de lojas e mercados.
Esta semana fui ao mercado comprar pão. A conta deu R$ 2,91. Dei uma nota de R$ 5 para a atendente.
Ela me pergunta: - Tem R$ 1?

Com cara de interrogação, digo: -Tenho, mas... tenho, você quer?
- Sim, responde, decidida.

Fico olhando com espanto, me perguntando se já inventaram uma nota de R$ 3. Não, não inventaram.Ela pega uma nota de R$ 2, uma moeda de R$ 0,10, troca minha moeda de R$ 1 de mão e me devolve com todo o troco.

Talvez ela tenha se perguntado porque passei alguns segundos sem dizer nada, só olhando para ela. Estava buscando palavras para explicar o que ela havia feito. Não consegui. Pelo menos não falei nada pior. Mas pensei, claro.

Agora à noite, Fernanda liga para pedir batata recheada, nossa janta. Escolhidos os sabores da comida, vamos às bebidas.
- Tem suco de limão?

- Não, pode ser de laranja?
- Não, não pode. Você não tem outros sabores, só laranja?

- Tenho, tenho vários...
- Quais?
- Ah, vários...
- Ah, vários... Tem maracujá?
- Tem.
Minutos depois, quando pensávamos que a comida estava a caminho, o telefone toca.
- Oi, aqui é a... Viu, você pediu suco de maracujá, mas eu esqueci de dizer que maracujá é de polpa. Eu não gosto muito, você vai querer mesmo assim?
Queremos sim, querida, assim você não se oferece para vir comer conosco. Obrigada!
 

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Trechos de "Menina Má"


Quando terminei de ler "Travessuras de Menina Má" uma dor insuportável tomou conta de mim... Andressa gritou... Outros choraram... Algumas pessoas não devem ter se abalado... Eu me abalei... porque ela é um ciclo fechado desses insuportáveis e temidos amores que te tiram tudo da alma, o mundo gira, você se transforma, mas quando está novamente diante dele - e isso vai acontecer sua vida toda - não consegue reagir de outra maneira senão se entregar...
A mim, isso parece muito dolorido porque, como diz Ricardito, "você vai e volta e eu continuo a te amar feito um bezerro..."

Separei uns trechos do livro, como faço sempre, para deixar um gostinho de quero ler também...



"Eu me apaixonei por Lily feito um bezerro, a forma mais romântica de se apaixonar - também se dizia queimar feito um tição - e naquele verão inesquecível me declarei três vezes a ela (...) Mas por que as chilenitas, que eram tão livres, não queriam ter namorado?"


"Eu era um imbecil reincidente por ainda estar apaixonado por uma doida, uma aventureira, uma mulherzinha sem escrúpulos com quem nenhum homem, e muito menos eu, poderia manter uma relação estável sem acabar sendo pisoteado.

Mas nos intervalos desses solilóquios masoquistas surgiam outros, de alegria e encantamento: estaria muito mudada? Ainda tinha aquele jeitinho atrevido que tanto me atraía, ou havia sido domesticada e anulada para viver no mundo estratificado dos cavaleiros ingleses?"

"Não nos víamos há quatro anos, e nem passou pela sua cabeça perguntar como eu estava, o que tinha feito todo esse tempo (...) Foi direto ao que lhe interessava, sem perder tempo com mais nada."


"Fiquei vazio e doente. Sentido tanta raiva, tanta desmoralização, tanto desprezo por mim mesmo que tomei - mais uma vez! - a decisão de apagar Mrs. Richardson da minha memória e, para dizer uma dessas breguices que a faziam rir, do meu coração."

"- Sua última ligação me magoou tanto que decidi não ver mais você, nem telefonar, nem procurar, nem pensar na sua existência nunca mais.
- Não está mais apaixonado por mim? - riu.
- Estou sim, pelo visto. Infelizmente. O que você me

contou me dói na alma. (...) Quero que continue me fazendo todas as maldades do mundo."

"Também desta vez, tive certeza de que nunca mais voltaria a saber dela. Como das anteriores, decidi

firmemente, aos 38 anos, que iria me apaixonar por alguém menos evasivo e complicado... Mas não foi isso o que ocorreu, porque na vida raramente as coisas acontecem como planejamos."

"Estava tão feliz que, ao passar pelo janelão de onde se avistava a cidade, pensei que se abrisse um dos vidros e me jogasse no vazio, flutuaria como uma pena sobre aquele interminável manto de luzes. (...) Então, num daqueles segundos ou minutos de suspensão milagrosa, quando sentia que o meu ser inteiro estava concentrado no pedaço de carne agradecido que a menina má lambia, vi Fukuda. 
(...) Ele não havia nos surpreendido, ele estava ali em cumplicidade com a menina má, desfrutando de um espetáculo preparado pelo dois. Eu tinha caído numa emboscada."





"Eu devia ser uma das poucas coisas estáveis na sua vida agitada, o idiota fiel e apaixonado, sempre lá (...) Ou, quem sabe, estava precisando de mim. Não era impossível. De repente tinha aparecido alguma brecha na sua vida que o coisinha à-toa podia preencher."

"-Desde que eu conheço você, não tem feito outra coisa além de me criar problemas. É o meu destino.
E não há nada o que fazer contra o destino."


"Apesar de carinhosa comigo em comparação com o tratamento glacial que me dera no passado, ela de fato conseguia me fazer viver sempre intranquilo, apreensivo com a idéia de que, um belo dia, da maneira mais inesperada, voltaria a aprontar e desapareceria sem se despedir. (...) Não podia entrar na minha cabeça que Lily, a chilenita, aceitasse ser o que era agora pelo resto da vida: uma parisiense de classe média, sem surpresas nem mistérios, imersa numa rotina rígida e sem aventuras."

"Bem no fundo eu sabia que nunca seria uma mulher normal. Nem queria que fosse, porque o que amava nela era também o indômito e imprevisível de sua personalidade."

"Senti um cansaço infinito. Tive a sensação de estar ouvindo um disco que repetia, cada vez mais deformada, a mesma frase musical. (...) Lamentei que ela não tivesse ido embora como das outras vezes, deixando um bilhete"



"Consegui não pensar demais nela nos dias e semanas seguintes e, sentindo-me como um saco de ossos, pele e músculos desprovido de alma, passava o dia todo procurando trabalho."

"- Você tem o péssimo costume de aparecer de repente, feito um pesadelo, nas horas menos esperadas. Mas eu não acho mais graça. Na verdade, não esperava rever você nunca mais. O que quer de mim?"
(...) - Talvez eu até possa fazer maldades com outros. Mas com você, não."


Depois de "Menina má", vou ouvir dezoito vezes seguidas "Golden Slumbers", dos Beatles, numa versão ao vivo do Paul... "Once there was a way to get back 
home..." 

E encerrar meu ciclo com Lily e Ricardito, mas só até que eles voltem a esbarrar em mim em um lugar qualquer e eu descubra que continuo apaixonada por eles feito um bezerro...