terça-feira, 26 de agosto de 2014

"Os Trabalhadores do Mar", de Victor Hugo, passou anos na estante sem que eu tivesse interesse em descobri-lo. Até que um dia, no início do ano, com muita necessidade de me ligar ao mar, o lugar de onde venho na essência e em espírito - acho que já disse isso outras milhares de vezes - o trouxe para perto de mim. Mergulhei nele e ficamos juntos de fevereiro a agosto.



"Trabalhadores" é a história de um homem disposto a aplicar um grande golpe, de um homem de honra e posses que vai à falência pela vingança de outro e de um terceiro ser, insignificante aos olhos dos outros.



Todos eles estão ligados pelo mar e seus mistérios. O primeiro o desafia levando até um lugar ermo, perigoso e do qual ninguém sai vivo o navio do segundo para provocar nele a maior decepção de sua vida, talvez o fim dela; este, por sua vez, idolatra o mar porque o dominou levando a modernidade à Ilha de Guernesey em forma de um navio; o terceiro simplesmente é parte do mar, conhecedor de cada movimento seu.

Gilliat, meu grande companheiro nesses meses, é um homem apaixonado, dedicado, observador, abnegado, capaz de antecipar todos os movimentos do tempo, das marés, chegar a lugares onde nenhum outro vai, sobreviver nas condições mais inóspitas... tem talento para a forja, para a engenharia, para a biologia e faz um trabalho sobre-humano sem contar com a ajuda de ninguém... pelo contrário, tudo a sua volta foi teste e sabotagem...


Mas, motivado pela promessa de casamento de sua amada àquele que salvasse o navio de seu tio, passa meses trabalhando no mar, inexpugnável, para salvar a Durante e ter Déruchette...



É sua chance de deixar de ser nada, um ser que ninguém enxerga, um ser cheio de destreza, talento e alma visionária reconhecidos apenas pelo mar, deixar de ser solitário e ignorado... para ser o grande herói!

É uma grande aventura, uma odisseia, uma resistência até as últimas forças, muitos reveses quando tudo parece perdido...

Mas, no fim, ah, no fim, só nos resta o mar!!

"Tudo o que se passa neste mundo parece um desconcerto. Creio que Deus já não entra nisso. Deus está ausente. Devia-se lavrar um decreto para obrigá-lo a residir aqui. Anda lá na sua casa de campo e não se importa conosco. E tudo vai torto e mal encaminhado. É evidente, meu bom senhor, que Deus já não está no governo, está em férias, e é o vigário, algum anjo seminarista, algum beócio com asas de pardal. quem dirige os negócios."


"O vento é cheio desse mistério. Do mesmo modo o mar. Também ele é compli

cado; debaixo das suas vagas de águas, que se veem, há outras vagas de forças que não se veem. O mar é aspirado pelo turbilhão, com um sifão; uma tempestade é um corpo de bomba; o raio vem da água como do ar; nos navios sentem-se abalos surdos, depois um cheiro de enxofre sai do poço das correntes. O oceano ferve. O diabo pôs o mar na sua caldeira."


"Tinha Gilliatt, como todos os bons marinheiros, movimento de previsão. Nunca perdia força. Vinham daí os prodígios de vigor que ele executava com músculos ordinários; tinha as forças comuns, mas uma grande coragem. Ao lado da força, que é física, tinha a energia, que é moral."

"Era um começo de hostilidades. Gilliatt compreendeu isso. É difícil, quando se vive em familiaridade com o mar, não ver no vento e nas rochas criaturas e personagens."


"Eis o que é a decadência. Cumpre-se morrer todos os dias. Cair não é nada, é a fornalha. Decair é o fogo lento."

domingo, 24 de agosto de 2014

Amores tóxicos em "Menina Má"

As histórias de amor tóxico do livro "Travessuras de Menina Má" (Vargas Llosa), um presente que ganhei da amiga Luciana Mendonça em 2009, vivem ecoando dentro de mim....

Seus personagens, Ricardo e a Menina Má, são daqueles que me acompanham onde quer que eu vá... Vai a vida, volta a vida, e lá estão eles me lembrando da minha realidade, me lembrando da minha humanidade... 



A vida deles também vai e volta e lá está um diante do outro... Na infância em Miraflores, no Peru... na juventude em Paris e em Londres, onde são testemunhas das mudanças dos padrões culturais mundiais... Na moderna Tóquio, já na vida adulta... na Espanha já mais amadurecidos...Em todos estes lugares, eles se encontram, se completam e se diminuem também...

A Menina Má é uma mulher sem referências, sem história, sem ponto de equilíbrio, que se prende a este homem não por amá-lo, mas porque precisa dele pra retomar o rumo da vida louca que escolheu ou escolheram pra ela... não manifesta sentimentos, não consegue se prender emocionalmente a ninguém, mas acaba muitas vezes subjugada pela vida e pelos homens...

Ricardo se maltrata, se destrói, se magoa por se saber usado e manipulado pela menina má, mas não consegue se desprender dela, qualquer que seja a merda que ela faça, tantas vezes ela o abandone, tantas vezes ela o destrate... Fica lá acreditando que ela o ama, mesmo sem demostrar, mesmo sem dar nada em troca, mesmo não estando ali...

A gente sempre se pergunta porque, e no final das contas a resposta é a mesma... a dignidade que se perdeu e não se encontra mais....