quarta-feira, 29 de março de 2017

Despedidas....


Quando eu era criança e não me sentia parte do lugar onde vivia – naquela época a sensação de não pertencimento se limitava apenas ao espaço físico – a pessoa que eu mais invejava na vida era meu amigo Beto.

Aos 13 anos, ele já tinha morado em tantas cidades e estados diferentes, conhecido tantos lugares por causa disso, feito tantos amigos, e eu no mesmo lugar. Quase sempre na mesma casa, os mesmos amigos, a mesma escola, os mesmos professores. Tudo à minha volta era igual. Pra mim, cansativo, monótono, chato. Aquilo me causava uma agonia. Mas, por todo o tempo, alimentava a certeza de que logo eu iria embora.

Nunca perguntei ao Beto se ele gostava desse ir e vir. Também nunca imaginei que haveria algo negativo nisso tudo. Aprendi da pior forma, claro. Porque a vida não economiza em te ouvir, nem em te mostrar o que você não consegue ver naquilo que supõe ser a felicidade do outro.

Sendo assim, depois dos 14 anos seguiu-se uma série de ir e vir na minha vida. Uma troca constante de casa, de grupo social, de cidade... E então descobri o lado obscuro disso tudo: as despedidas. Para mim, perdas.

Me mudei de escola e parte dos amigos com quem estudei desde a pré-escola já não eram mais os companheiros de todo dia, com três exceções.  

Meus pais mudaram de cidade e eu fiquei, por escolha, mas já com a sensação de que não havia uma casa que fosse minha.

Um ano depois, mudei de cidade e novamente de escola. Mais um ano e meio e fui para a universidade. Foram quatro anos de entendimento do espaço, da cidade, da faculdade, dos professores, dos colegas, um tempo para se sentir parte do lugar, para se sentir amigo verdadeiro de alguém. Quatro casas em quatro anos... E com o fim do curso, parte da vida ficou para trás.

Daí quando me mudei para uma cidade em que pretendia ficar por um bom tempo – e cá estou há 15 anos - acreditava que as despedidas nunca mais iriam acontecer. Que ao meu redor, tudo seria igual. Eu que não suporto monotonia e dias iguais, queria que as coisas se repetissem por muito tempo. Queria não ter que empacotar coisas, subir e descer móveis, ir aos mesmos bares com as mesmas pessoas. Ouvir as mesmas músicas. Ter “estabilidade”.

Mas não foi assim, não é assim. Na vida de jornalista, os dias são sempre diferentes. Onde quer que você esteja, o que quer que você faça. E daí não falo apenas do trabalho. Acho que a gente vem ao mundo com um carimbinho que diz: “mude algo todo dia”; “quando ficar igual, transforme”.

Nessa vida louca, há sempre um recomeço, diário, constante. E as despedidas continuam a arrancar pedaços do meu peito. Eu não sei lidar com isso. Tenho medo do fim, tenho medo que a distância leve embora as histórias, as risadas compartilhadas, as lágrimas que não conseguimos derramar.

Tenho medo que tudo se acabe, mesmo que o tudo tenha sido construído por anos, depois de muitas despedidas e novos recomeços. Tenho medo, mesmo que eu consiga sentir para sempre o cheiro dos encontros.

Hoje era para ser um bom dia. Por fim, não é.

quinta-feira, 9 de março de 2017

Sobre Joe Satriani, amores e amigos de adolescência




Eu tinha 16 anos quando vivi o primeiro grande momento da minha vida. Daqueles que a memória não apaga, que uma simples lembrança dispara um história inteira, que faz o coração vibrar mesmo depois de passados 15, 20 anos.

Eu, uma adolescente moradora de uma pacata cidade do Interior de São Paulo de dez mil habitantes e ansiosa por voar longe, onde ninguém me alcançasse, decidi me aventurar sozinha até São Paulo para assistir a um show de rock.

Se isso aconteceu na minha vida, devo a uma única pessoa. Mateus Carnevalli Terni. Meu bem mais que amigo, meu irmão de afinidade, meu irmão de coração. Foi ele quem, dois anos antes, me apresentou a Joe Satriani. E ele que não parou de insistir para que eu fosse ao show desde o primeiro momento em que soube das três apresentações em São Paulo, e me recebeu em sua casa numa quarta-feira à noite para dividirmos esta aventura (e ainda prendeu minha mão na porta do carro do amigo, Tiago Mantovani, eu acho, na carona de volta para a casa). 

Ainda lembro o assombro geral quando Satriani, até então de cabelos compridos, apareceu no palco careca e de óculos escuros. Por alguns segundos, o inconsciente coletivo vibrou um mesmo pensamento: fomos enganados, não é ele. Mas bastou a primeira nota para saber que sim, era ele. Não tenho certeza, mas penso que ele abriu o show com “Flying in a blue dream”, uma das minhas queridinhas, mas não minha preferida.

De todas as histórias que Satra conta deslizando os dedos pelas cordas da guitarra – e às vezes a boca -, a mais esperada era “Crying”. Não consigo imaginar que alguém ali não chorou. Eu chorei, meus amigos choraram. Porque música é catarse e eu tinha muitos sentimentos saltando em meu peito. Pra mim, tão pequena, mas com tantos sonhos, era uma fagulha da vida me dizendo que sim, eu podia ir além. 





Hoje, ouvindo “Crying” novamente, olho para traz e vejo que nem fui tão longe quanto sonhava e nem sou quem imaginava ser. E isso é parte da vida que alguém com 16 anos ainda não sabe.

Mas também posso dizer que não desviei tanto da rota, não. Com essa maldita coragem que a vida me deu, que não me deixa ter medo de enfrentar nada, eu meti a cara e fui, muitas vezes achando que ia aguentar as consequências de tudo e qualquer coisa.

Eu fui fazer faculdade 500 quilômetros distante de casa, sem que eu conhecesse nada nem ninguém, e ainda brigada com meu pai que me preferia ter por perto. Eu larguei tudo para investir numa cobertura de férias de 15 dias e conseguir um emprego e uma carreira na profissão que escolhi, a contragosto de absolutamente TODOS da minha família. Eu pedi demissão depois de dez anos na mesma empresa porque precisava descobrir se era boa em outro lugar. Eu terminei um relacionamento de nove anos, com promessas de amor eterno e uma família “perfeita” também contrariando todos os prognósticos (ABRE PARÊNTESE: por muitos motivos eu agradeço a deus por isso, mas principalmente pelo fato de que, se não fosse isso, hoje eu seria avó de duas crianças mesmo sem ter tido filhos. Olha bem pra minha cara de quem ainda não chegou aos 30 se eu posso com isso. Não. Definitivamente. FECHA PARÊNTESE). Eu enfrentei a loucura de um novo, complicado e repentino relacionamento acreditando que amava demais e podia mudar o outro. Eu fiz muito, e fiz muita merda também. Graças a essa maldita coragem que me faz acordar todo dia pensando: eu dou conta da vida, mesmo diante de tantas contrariedades e placas luminosas dizendo que euvoumedarmaldenovoimpreterivelmente.



Mas ninguém dá conta de tudo sempre. Hoje eu não estou dando conta de tudo. E ouvir Satriani me faz chorar mais uma vez. Me fez lembrar do meu pai dizendo que bom mesmo é ser criança. É, bom mesmo é ser criança, mas essa também é outra verdade que a gente só descobre com o tempo.

E esse post começou porque ao ouvir “Crying” eu também chorei porque é muito dolorido quando a vida tem um ritmo diferente daquele que a gente deseja, quando as pessoas não conseguem se encontrar porque cada uma tem seu momento de descobrir o outro, porque muitas vezes essa descoberta não passa de um esboço e nunca acontece, por mais que uma das partes se esforce para alcançar uma certa sintonia. Há coisas que a gente consegue equilibrar, outras não.

Mas refletindo sobre tudo isso que eu escrevi vou encerrar este post dizendo que, ouvindo “Crying”, me dei conta de que eu tive – na real, eu tenho porque eles todos fazem parte da minha vida ainda, de um jeito ou de outro –, os melhores amigos que a vida podia me dar. Porque se eu não sou tão inteligente, tão talentosa, tão preparada quanto eles eram e são, o tive as mesmas oportunidades que eles na vida, mas eles me serviram de espelho para ter muitos grandes momentos nessa passagem e para ser melhor todos os dias, desde muito antes dos meus 16 anos.


Este post era para falar das dores do amor, mas eu termino aqui com a saudade dos fins de tarde em que eu era feliz conversando, rindo ou apenas ouvindo música com eles, os meus amigos da adolescência. Termino agradecendo pela vida deles e de seus filhos, nossa continuidade nesse plano. Ana, Renata, Mateus e Maurício. Clara, Hallina, Ludmila, Maya, Lia, Laura e Vinícius.