Quando eu era criança e não me sentia parte do lugar
onde vivia – naquela época a sensação de não pertencimento se limitava apenas ao
espaço físico – a pessoa que eu mais invejava na vida era meu amigo Beto.
Aos 13 anos, ele já tinha morado em tantas cidades e
estados diferentes, conhecido tantos lugares por causa disso, feito tantos
amigos, e eu no mesmo lugar. Quase sempre na mesma casa, os mesmos amigos, a mesma
escola, os mesmos professores. Tudo à minha volta era igual. Pra mim,
cansativo, monótono, chato. Aquilo me causava uma agonia. Mas, por todo o
tempo, alimentava a certeza de que logo eu iria embora.
Nunca perguntei ao Beto se ele gostava desse ir e vir. Também
nunca imaginei que haveria algo negativo nisso tudo. Aprendi da pior forma,
claro. Porque a vida não economiza em te ouvir, nem em te mostrar o que você não consegue
ver naquilo que supõe ser a felicidade do outro.
Sendo assim, depois dos 14 anos seguiu-se uma série de
ir e vir na minha vida. Uma troca constante de casa, de grupo social, de
cidade... E então descobri o lado obscuro disso tudo: as despedidas. Para mim,
perdas.
Me mudei de escola e parte dos amigos com quem estudei desde
a pré-escola já não eram mais os companheiros de todo dia, com três exceções.
Meus pais mudaram de cidade e eu fiquei, por escolha,
mas já com a sensação de que não havia uma casa que fosse minha.
Um ano depois, mudei de cidade e novamente de escola. Mais
um ano e meio e fui para a universidade. Foram quatro anos de entendimento do
espaço, da cidade, da faculdade, dos professores, dos colegas, um tempo para se
sentir parte do lugar, para se sentir amigo verdadeiro de alguém. Quatro casas
em quatro anos... E com o fim do curso, parte da vida ficou para trás.
Daí quando me mudei para
uma cidade em que pretendia ficar por um bom tempo – e cá estou há 15 anos - acreditava
que as despedidas nunca mais iriam acontecer. Que ao meu redor, tudo seria
igual. Eu que não suporto monotonia e dias iguais, queria que as coisas se
repetissem por muito tempo. Queria não ter que empacotar coisas, subir e descer
móveis, ir aos mesmos bares com as mesmas pessoas. Ouvir as mesmas músicas. Ter
“estabilidade”.
Mas não foi assim, não é
assim. Na vida de jornalista, os dias são sempre diferentes. Onde quer que você
esteja, o que quer que você faça. E daí não falo apenas do trabalho. Acho que a
gente vem ao mundo com um carimbinho que diz: “mude algo todo dia”; “quando
ficar igual, transforme”.
Nessa vida louca, há sempre
um recomeço, diário, constante. E as despedidas continuam a arrancar pedaços do
meu peito. Eu não sei lidar com isso. Tenho medo do fim, tenho medo que a
distância leve embora as histórias, as risadas compartilhadas, as lágrimas que não
conseguimos derramar.
Tenho medo que tudo se
acabe, mesmo que o tudo tenha sido construído por anos, depois de muitas
despedidas e novos recomeços. Tenho medo, mesmo que eu
consiga sentir para sempre o cheiro dos encontros.
Hoje era para ser um bom
dia. Por fim, não é.