segunda-feira, 7 de abril de 2014

Senhorita Julia e a insônia

Texto publicado em 06 de outubro de 2008 no blog Paulo Coelho não é Literatura!

Madrugada de sábado para domingo, véspera de eleição - sinônimo de alerta vermelho no trabalho -, dezessete horas seguidas na redação e, quando chega o momento do descanso, tudo o que podia acontecer para melhor a minha 
vida era ter insônia. Como sempre tenho livros ao lado da cama, resolvi ler.

Escolhi dois livros que a Global Editora me mandou uma semana antes e que ainda não tinha tido tempo de ver. Eram duas adaptações de teatro jovem. Coisa fácil de ler. Mas odeio adaptações porque é aí que os clássicos se perdem. Dizem que é um incentivo, mas ninguém lê uma adaptação vai ler o original e os jovens nunca vão ler os clássicos... É o que penso... Incentivo é educar o sujeito, dar bons livros para ele na infância e, então, adulto, ele irá chegar às boas leituras.
Um desses presentes da editora era “Três Irmãs”, de Tchekhov. O outro era “Senhorita Julia”, do dramaturgo August Strindberg, e é sobre ele que quero falar.
Criador do teatro expressionista e um dos maiores escritores suecos de todos os tempos, Strindberg é um escritor novo para mim.

"Senhorita Julia" foi escrito há mais de cem anos, em 1899 para ser exata, e foi adaptado para o cinema e levado para o teatro do mundo todo.
Julia é a filha do barão que não se importa de se misturar com os empregados e acaba se envolvendo com um deles. A princípio, ele a trata como a princesa que é. Depois de seduzi-la, no entanto, mostra para ela que ter um título não é nada quando este não é honrado - uma mulher como ela jamais poderia se deixar envolver por um simples empregado.
Me atraiu muito a forma como o discurso dos personagens vai colocando uns aos outros em um enredo em que ninguém sai da história. Um vai induzindo o outro a agir, mas ao mesmo tempo abre lacunas que permitem ao outro também conduzi-lo na trama. O texto é muito amarrado. Quero ler o texto original e outras coisas que ele escreveu.
Na apresentação do livro, Sábato Magaldi afirma que “Senhorita Júlia” é a prova de que Strindberg não desdenhava do palco - afinal, era dramaturgo - mas tinha outra forma de pensar a encenação. Essa suposição de que ele odiava o palco veio da seguinte declaração: "o teatro - e a arte de maneira geral - parece-se me sempre uma Bíblia pauperum, uma Bíblia em imagens para aqueles que não sabem ler o que está escrito ou impresso". A declaração é pesada, quase reacionária, mas nestas horas é melhor apenas ler os livros do cara.
PS. Há uma frase dita por Julia que poderia ter sido dita pelo meu amigo Richard, e aqui segue em homenagem a ele: "A pobreza deve ser a pior das infelicidades". 

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