domingo, 22 de novembro de 2015

Comer fora de casa é um transtorno!

Quando se tem restrições alimentares por necessidade, comer fora de casa se torna um transtorno. Isso a gente descobre bem rápido também. Acabou o prazer, a expectativa, a vontade de escolher um lugar novo, legal e com pratos deliciosos para comer. Acabou, simplesmente!

Primeiro porque ninguém sabe o que é glúten, mesmo trabalhando no meio alimentício. Segundo: 
é muito difícil encontrar um lugar com as mínimas opçõesTerceiro: ainda assim, é preciso rezar e torcer muito para não haver contaminação cruzada. Lugar "limpo" de traço só achei um em Araraquara até agora. Quarto: Você fica feito um retardado olhando tudo, estático e pensando "tem ou não tem??", enquanto as outras pessoas te olham com outras interrogações.

Bem por isso, penso um milhão de vezes agora antes de comer fora. Mas tem dias que não dá. Não tem outro jeito. E, por isso, em dois meses vivendo sob uma nova dieta, eu já ouvi as explicações mais bizarras para tem ou não tem glúten.



Na sorveteria, o dono me disse feliz que era quase tudo zero glúten. Saltei de alegria. Mas só até ele me oferecer sorvete de ovomaltine. Das duas uma, moço: ou não tem ovomaltine ou tem glúten.

A mesma coisa aconteceu com brigadeiros durante o festival de Food Trucks. A vendedora garantiu que o produto dela com ovomaltine não tinha glúten. Eu discuti educadamente e não comprei. No outro dia, me pediram desculpas e assumiram que tinha. Claaaaro que tinha!! Mas, e se eu tivesse comido??

Outra situação é que as pessoas confundem glúten com qualquer coisa, menos com farinha de trigo. Já me disseram "ah, tem glúten" porque tinha milho, porque tinha leite, porque não era light. Já me disseram que tinha no pudim, depois não tinha mais. Já me disseram que tinha na tapioca, mas não voltaram para se explicar.



E, mesmo sendo necessário, é muito desagradável ficar perguntando se tem farinha, se tem molho shoyo, se tem tempero pronto, sazón, a pqtp......... Porque a maioria das pessoas acha que é frescura mesmo. Não é. Quem me dera ser.



De forma geral, minha alimentação hoje se restringe a frutas, verduras, carnes, coisas com arroz e coisas com mandioca. São a base de tudo. Fora de casa, o cardápio é isso, quando tem essa opção. E rezar nem sempre ajuda. No mesmo Food Truck fiquei feliz quando a atendente me perguntou se eu era celíaca quando eu questionei se a geleia de pimenta tinha glúten. Mas, meia hora depois de comer os quadradinhos de tapioca, lá estava eu passando mal. Muito provavelmente eles fritaram os quadradinhos no mesmo óleo de outros produtos com farinha de trigo.

Sendo assim, comer fora de casa só é seguro se for nas coxinhas douradas de Bueno de Andrada. Sim. Um distrito de Araraquara. Uma lanchonete que era uma venda 20 anos atrás e que teve que se reinventar para sobreviver quando o asfalto trouxe as pessoas para fazer compras na cidade.


É nesse lugar que você pode comer sem medo de se contaminar com glúten, com soja, com ovo, com peixe ou leite. Porque lá, na lanchonete da beira da estrada, as pessoas estão olhando lá, mas bem lá na frente. Seu Freitas e sua esposa Sonia têm entre seus funcionários uma engenheira de alimentos. Fizeram uma cozinha separada para fazer as coxinhas sem alergênicos. Têm uma equipe preparada para evitar contágio. Lá na frente, bem lá na frente eles estão.

Daí, volto ao começo. Glúten e outros alergênicos não são coisas de outro mundo. Há muita gente com restrição alimentar. E lá em Bueno as pessoas sabem disso. Lá onde mal pega sinal de celular, tá. Mas existe algo que se chama conhecimento, informação, e outra que se chama tino comercial, empreendedorismo. É isso que faz a diferença entre "Glúten?????" e "temos duas opções de produtos sem glúten para celíacos"!

Pena que não dá pra comer coxinha todo dia, né? Porque é preciso aproveitar a vibe do glúten e os mais de dez quilos a menos!!



terça-feira, 10 de novembro de 2015

Uma vida de arroz e mandioca...



Quando me dei conta de quantas coisas no mundo têm glúten em sua composição, minha sensação mais forte era de ser uma completa idiota. Tive tanta raiva do mundo que eu poderia estapear várias vezes todos esses estúpidos que vivem por aí fazendo dietas restritivas sem necessidade.

Claro, cada um come o que quer, quando quer e isso não é problema meu. Cada um com seus problemas. A questão não é essa, embora tenha lido em várias publicações especialistas dizendo que quem não tem restrição a glúten não deveria tirá-lo de sua dieta.

Ao me deparar com os alimentos que nunca mais poderei comer, 
a menos que queira passar mal novamente, até o fim da minha vida - e isso quer dizer mais uns 30, 40 anos, com sorte, porque não pretendo viver mais que isso - me lembrei de uma conversa que tive na academia com uma pessoa que corria na esteira ao lado da minha. Na época, eu havia emagrecido entre 12 e 15 quilos, mas a colega me sugeriu tirar os alimentos com glúten da alimentação para perder mais peso. E em seguida me relatou que não comia mais pães e massas. 


Hoje, eu gostaria muito de encontrá-la novamente para perguntar se ela realmente tirou todo o glúten da dieta. Porque deixar de comer pão, pizza, bolo, biscoito, macarrão por causa do glúten, maravilha. Mas será que ela e as outras pessoas que dizem fazer dieta restritiva tiraram mesmo TODO o glúten de sua alimentação?

Será que elas olharam os rótulos dos cereais, dos iogurtes, dos molhos, do risoto pronto, do ovomaltine, das cervejas, da aveia, da barra de cereal, dos chocolates para conferir se tinha ou não o famigerado glúten?

Será que, assim como eu, essas pessoas deixaram de tomar cerveja ou uísque porque neles há traço de glúten? Será que nunca mais comeram queijos, embutidos, almôndegas, lanches e sorvetes porque neles há glúten?
Não preciso perguntar pra saber. E dou dois dedos meus se alguém com dieta restritiva se privar 100% de tudo o que tem glúten como eu e os demais celíacos temos que fazer. Dois dois dedos meus se essa gente fizer como as mães das crianças APLV, que ficam enviando emails para as indústrias alimentícias para pedir laudos e pareceres técnicos sobre a presença de lactose, proteína do leite, soja, ovo, peixe e amendoim nos produtos que querem comer, mas que não podem para que seus filhos não adoeçam. Sinceramente, nem sei o que, por fim, essas mães comem...

Dois dedos por alguém não celíaco que deixa de comer um doce com glúten ou fica 
numa festinha sem comer nada porque tudo o que tem é com glúten.


Dia desses, a EPTV São Carlos fez uma matéria com pessoas que fazem dieta restritiva para glúten e um dos entrevistados disse sorrindo - é a realidade dando socos na nossa cara - que não come glúten, mas todo dia come pão francês. Amigo, vai à merda!!

Ficar por aí pagando de "sou o bonito que não come glúten" é uma graça na academia, pega superbem com o instrutor, com os coleguinhas,  mas não tem efeito nenhum pra quem nunca mais vai poder ingerir qualquer uma dessas coisas listadas acima sem ter dermatite, diarreia, cólicas intestinais, dores de estômago, fraqueza, sintomas de depressão, dor de cabeça, cansaço e perda de peso, exatamente meia hora depois de se alimentar. É, a gente não precisa de muito tempo pra saber que algo está errado.

Como disse minha amiga Erika Tonelli, que vem travando essa batalha porque o pequeno Matteo é APLV, nunca meu quadril será tão estreito! Por enquanto, ainda não cheguei lá. Mas, mesmo que estivesse lá, não faria com que eu me sentisse menos idiota ao olhar o rótulo de todos os chocolates do mercado na esperança de que um deles tivesse a inscrição "Não contém glúten".

Só pra constar, se você quiser alegrar meu dia, Kinder Ovo, Kinder Chocolate e brigadeiros feitos com Chocolate do Padre em Pó e algumas marcas de achocolatado (as duas mais conhecidas não podem ser usadas) não contêm glúten. E têm me salvado nas crises de TPM. 



Aliás, esse é um movimento aconchegante. Depois desse advento, todas as pessoas do seu convívio passam a olhar os rótulos para ver se tem ou não tem glúten. E toda vez que encontrarem uma placa de "Sorvete sem glúten" ou "Chocolate sem glúten" imediatamente seu nome surgirá.
Mas sempre vai ter alguém que acha que "um pouco pode". Isso acontece mesmo entre aqueles que já estão cansados de te ouvir falar de glúten. Não, não pode. Não pode um pouco, não pode fritar no mesmo óleo. Não pode assar no mesmo forno. Não pode usar a mesma colher. Não pode colocar na mesma vasilha. Não pode usar a mesma buchinha para lavar. Porque os traços provocam a mesma reação de um pedaço de pizza.

Ou seja, para mim, que sempre disse que a comida era o meu vício, o glúten é a minha droga. E vale a mesma máxima da reabilitação que diz "Um é muito, mil é pouco". Isso quer dizer que devemos evitar o primeiro pedaço porque, uma vez contaminados, tanto faz se comemos um pedaço ou morremos de tanto comer. A abstinência já foi embora!!

Vamos lá, então, viver uma vida de arroz e mandioca, porque é tudo o que nos resta!








domingo, 8 de novembro de 2015

Cia. Raça, o tango e uma explosão de sentimentos!



Ser jornalista e cobrir a editoria de cultura por mais de cinco anos me deram o privilégio de caminhar junto com as artes. Aqui, descobri a vida que salta do palco do teatro e da dança, manifestações com as quais havia dito pouco contato até chegar à faculdade. Venho de um lugar que até hoje carece desse tipo de conhecimento.

Por motivos pessoais, que me fizeram me recolher, e também pela baixa na agenda cultural da cidade, há meses estava sentindo falta de me envolver em histórias que não são minhas. E, 
ao ver uma reportagem sobre a vinda da Cia. Raça com "Tango sob dois olhares" para Araraquara soube que esse era o melhor momento para me sentar novamente à frente do palco do Sesi, um lugar pelo qual tenho tanto carinho e onde tive experiências pessoais intensas e íntimas nesses mais de 10 anos de Araraquara.

Ontem, me deparei novamente com um momento muito especial naquele palco. Provavelmente, uma das coisas mais lindas que vi nessa vida.

Não tenho palavras para dimensionar com justiça minhas impressões e a explosão de sentimentos que houve dentro de mim - e posso apostar que em toda a plateia, porque vi muita gente, homens e mulheres, saindo emocionados do teatro.

A paixão, a tristeza, a força dos tangos de Piazzolla, trilha e inspiração da coreografia de Roseli Rodrigues, se juntaram a construções poéticas - as mais belas com três bailarinos, homens, mulheres, homens e mulheres - de muita intensidade, histórias de amor, traição, busca, sedução, vingança, dor, tristeza, volúpia.

A sequência final nos faz pensar que há no mundo coisas bonitas e coisas magníficas, e que até então só tínhamos conhecidos as primeiras. Tinha vontade de gritar....

A apresentação foi aplaudida em cena aberta pelo menos três vezes. Minha vontade era abraçar cada um dos bailarinos (os quais, reforço palavras anteriores, invejo porque nenhum corpo pode ser mais belo, doce e leve que o deles, nem mais resistente... sempre tento mensurar o esforço que fazem no palco, mas me parece infinito) em retribuição à felicidade que sentia ao fim do espetáculo.



Como tenho o privilégio de morar perto do Sesi, vou e volto a pé, em meu caminhar pude rever aquelas cenas mentalmente, sorrindo sozinha pela rua, embevecida no branco e preto, em tanta beleza.

No caminho, meus pensamentos foram invadidos duas vezes. Um casal cantando "Evidências" em um karaokê, que me fizeram lembrar do meu querido Lu Andrey e seu "Nuvem de Lágrimas", em cartaz em São Paulo. E um maluco de moto que quase me atropelou, gritando é campeão. Nesse momento, fiquei ainda mais feliz por ter superado a reclusão e ido me energizar com a arte alheia, ao invés de ficar entre lamentos e futebol ruim em casa.

Hoje, minha oração do dia foi dedicada a esse espetáculo de amor e a todas as pessoas envolvidas com ele!

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Doença celíoque??




A primeira vez que ouvi falar de doença celíaca foi na faculdade. A cena marcante ainda hoje me faz rir, apesar da representação que o problema tem hoje em minha vida.

Era uma noite de gravação de programa de rádio, eu e Silvio apresentávamos quando ele dá um grita no estúdio: "Doença celí o que? Quem colocou isso no texto?". Por meia hora, a gravação parou porque fez-se o furacão.

Cris colocou aqui no texto. Ela era estagiária da Rádio Unesp e fazia boletins informativos das pesquisas científicas de todas as Unesps. Aquela, coincidentemente, era de uma professora de Botucatu, mãe de amigos de amigos meus. Quem diria que a professora Cereda ia fazer mais que emprestar a casa para jogarmos computador nas tardes quentes.

Passados tantos anos desde o Ensino Médio em Botucatu, outras tantos desde a faculdade em Bauru e cá estou eu em Araraquara diante da doença celíaca.

Há alguns meses, uma série de adventos físicos têm acometido meu corpo e minha mente. Em nenhum momento, juntei tudo. Até porque sei tudo de doenças, né. Também não me preocupei muito em cuidar nem de uma coisa, nem de outra. Não tinha disposição pra nada.

Mas, então, em junho, depois de uma viagem para Foz do Iguaçu, percebi que estava perdendo peso sem esforço. Pra muita gente, a notícia poderia ser alvissareira. Pra mim, foi um susto. Mais de 20 anos brigando com o próprio corpo, engorda, emagrece, e um guerra pra perder peso e manter o corpo na mínima ordem possível.

Depois de mais algumas semanas, o pior aconteceu: perdi tanto peso que perdi uma calça. Nesse momento, fiquei com medo. Um médico me disse, certa vez, que isso só poderia acontecer com alguém se a pessoa estivesse com câncer, aids ou tuberculose. O diagnóstico, felizmente, não foi tão devastador. Mas me desconcertou. "Deu positivo para doença celíaca. A partir de hoje, você não pode mais comer glúten. Vá no mercado e olhe tudo, ok?"


Tá bom, doutora, olho tudo. Mas não ia olhar. Afinal, é fácil. Não tem glúten onde tem farinha de trigo. E tem trigo em pães, massas. Ponto. Foi a primeira vez que chorei comprando comida. Não, amigo, o mundo é feito de glúten. Além do pão francês e todos os outros tipos de pães que eu amo e encontro no mercado e na padaria, estão o macarrão, a massa de lasanha, os lanches, as pizzas, os iogurtes, queijos, carnes embutidas, molhos prontos, sopas prontas, risotos prontos, miojo, alguns tipos de sorvete, achocolatado, leite condensado, bolos, cerveja, uísque.... A lista parecia não terminar nunca. Na verdade, acho que ainda não descobri tudo o que não posso comer...
Pra você que tem dúvidas sobre o que é a doença celíaca, uma historinha rápida. É uma doença autoimune e, como tal, ela se defende de um ataque que não existe.

Nesse caso, o vilão é o glúten. Então o corpo pega o glúten (uma proteína presente no trigo) e tudo o que vem com ele e joga fora. Daí, sofremos com perda de peso porque nenhum nutriente é absorvido, queda de cabelo, fraqueza, depressão, desânimo decorrentes da falta de vitaminas etc, dores abdominais terríveis, diarreia (é a tal da síndrome do intestino irritado), osteoporose, dermatite herpetiforme (e essa coceira filha duma puta) e, se eu não produzisse ferro em excesso, teria anemia. Não é intolerância, não é alergia. Não tem cura. Não tem outra saída a não ser parar de ingerir glúten.
Desde o dia do diagnóstico, meu mundo agora se resume a farinha de mandioca e farinha de arroz. Dentro de mim, houve muita revolta, como sempre digo, me senti uma idiota por não poder comer mais as coisas que eu mais gosto, mas agora, passados quase dois meses, entendo o que a vida, o mundo, Deus, eu mesma fizemos por mim. Eu não parei, então meu corpo fez essa gentileza. Além disso, pra quem tinha um diagnóstico de pré-lúpus, a vida tá bem fácil. Vou comer tapioca todo dia e jamais vou reclamar.



terça-feira, 13 de outubro de 2015

O tempo e seus feitiços...



Diante das transformações da minha vida nos últimos meses e dias, tenho pensado muito em Octavio Paz e trechos de "O Arco e a Lira". Vou ler, reler e internalizar para entender como o tempo passou e, de repente, se reencontrou. Obrigada, tempo!


“O tempo não está fora de nós, nem é algo que passa diante dos nossos olhos como os ponteiros do relógio: nós somos o tempo, não são os anos que passam, mas nós que passamos. O tempo possui uma direção, um sentido, porque ele é nós mesmos.

O ritmo realiza uma operação contrária à de relógios e calendários: o tempo deixa de ser medida abstrata e volta a ser o que é: algo concreto e dotado de uma direção. Contínuo emanar, perpétuo ir além, o tempo é um permanente transcender-se. [...]


O tempo [...] destroi-se e, ao se destruir, repete-se, mas cada repetição é uma mudança. Sempre o mesmo e a negação só mesmo. Assim, nunca é apenas medida, sucessão vazia. Quando o ritmo se desdobra à nossa frente, algo passa com ele: nós mesmos. No ritmo há um “ir para” que só pode ser elucidado se, ao mesmo tempo, se elucida o que somos nós. […]"

domingo, 16 de agosto de 2015

Até breve, Biscoitinho!


Os dias sem você têm sido muito estranhos. Na maior parte do tempo, você estava sozinha, quietinha, na cama, no buraco do sofá, tomando seu solzinho. Nunca foi de estardalhaço, barulho e grandes brincadeiras. Mas você sempre estava ali, atenta a tudo à sua volta, me acompanhando pela casa.

Minha titica de gente, era sempre a mais limpinha das cachorras. Nunca tomava chuva, não chafurdava na lama, se pudesse levantava todas as paticas pra fazer seu xixizinho.

Você era a menor dos meus monstrinhos, ficou ainda mais levezinha nos últimos dias, mas seu amor sempre silencioso não foi o menor de todos.



Ainda estou tentando entender o que aconteceu. Vejo e revejo fotos e vídeos para encontrar uma explicação. Ainda não encontrei. Só sei que você se foi nos meus braços, pouco tempo depois de eu dizer que ia ficar com você no quarto porque estava te achando amuadinha. Nem deu tempo te de fazer um carinho. Tivemos que sair correndo e tudo aconteceu. Foram duas horas longas e doloridas.

Todos esses dias fiquei revendo nossas histórias, desde quando te conheci...

Há cinco anos, seu pai passou três meses falando sobre você e como você fazia companhia a ele na CT todos os dias. Como dormia embolada nas roupas sujas dele, como tinha que se esconder da Kiara, de como era amorosa. Das minhas visitas, lembro apenas de tentar me aproximar e você não se importar com a minha presença.

Mas o dia da adoção está bem claro na minha mente. Fui acordada logo cedo para ir buscar seu pai. Um susto, algo que se anunciava, mas não era exatamente esperado. Lá, ele perguntou se te levaríamos embora, mas ninguém sabia onde você estava. Naquela época, Mel e Juana reinavam sozinhas e eu não sabia ao certo se queria outro cachorrinho. Mas, você, sempre ligeira e faceira, apareceu quando entrávamos no carro e nos preparávamos para sair. Foi, para mim, o sinal de que você seria nossa menina amarela. Já tínhamos a branca e a preta. Faltava mesmo você.

Lembro do seu pavor quando saiu do carro em casa e as duas loucas pularam em cima para te reconhecer e cheirar. Você se escondeu debaixo do carro.

Lembro do seu assombro, na porta da sala, sem entrar. Por uma semana, você reconheceu o espaço e foi, a cada dia, entrando em um lugar diferente, ainda sem ter certeza de que poderia viver dentro de casa. Tinha dias que parava no meio do corredor, em pé, e lá ficava.

Mas, em um mês, já dormia grudada nas minhas pernas. Eu sinto falta disso todo dia. Quando me ajeito na cama, falta um pedacinho debaixo das cobertas.

Até o ano passado, quando o Zé Luís chegou e você fugiu pela última vez, dando um baile em mim ao sair pela janela da sala e passar pelo portão aberto, eu pedia em pensamento e palavras que você nunca nos abandonasse. Que você gostasse da gente, de viver na nossa casa.

Eu sabia que você havia vivido muito tempo na rua. Que seu comportamento arredio, suas desconfianças, as marquinhas de agressão no seu corpo nos contavam a história de alguém que lutou para comer e sobreviver entre os maiores. Sabia que gostava de passear, estar ao ar livre, ser livre. Mas não queria que você fosse embora. Com o tempo, quando eu te perguntava se você me amava, você me dava uma lambida.


Sempre quis saber sua história. Mas, na verdade, acho que ela começou mesmo na CT, com o Rex, seu namoradão. E depois com seu apego à Juana, sua protetora natural, com quem formou a nossa melhor dupla: Batman e Robin. Era muito bom ver você dormindo na barriga dela ou com a cabecinha no pescoço ou nas costas dela.

Apesar das minhas tentativas de fazer de você um bebê como as outras, por até dois anos, você só queria ficar no meu colo depois dos banhos, para eu te secar e te esquentar. Nunca teve muito jeito para isso. Ficava tortinha nos braços e no colo. Mas eu gostava mesmo assim.

Foi quando seu pai voltou para a CT que você se tornou, de fato, minha pessoinha. Grudou em mim, virou minha sombra. E daí surgiram nossas muitas brincadeirinhas, os apelidos intermináveis, nossas musiquinhas.
Acho que você sabia o que tudo aquilo significava para mim, afinal era uma cãoterapeuta treinada na melhor escola. Sabia como a presença de um animal podia recuperar e salvar uma pessoa.

As lembranças são muitas e provavelmente daqui a algum tempo eu me lembre de tantas outras histórias como essas que me fazem sorrir e chorar...

Quero dizer também que hoje eu vim aqui para te contar que eu ainda canto as musiquinhas quando brinco com o
Chico, que eu ainda pergunto onde você está, acho horrível aquele buraco no sofá sem você, que olho pro lado na cama e sinto falta da minha gentinha deitada no travesseiro. Vim aqui dizer que eu amo os seus pulinhos, suas lambidas loucas, seu medo de chuva e de rojão. Amo suas fugas ensandecidas, que me fazem correr pela rua descalça e com o coração disparado pelo medo de não te pegar nunca mais. Amo sua vontade infinita de correr e passear, amo suas patinhas pequenas e suas unhas longas, suas garras afiadas para atacar quem se atrever a te machucar.

Eu amo quando você tira meu creme das penas com as lambidinhas, amo o buraco que você fez no sofá, seu jeitinho de rosnar pros outros cachorros, seu latido na janela que é quase um gritinho, a bolinha que você faz ao se ajeitar para dormir, mesmo que seja no meio das roupas limpas que eu acabei de tirar do varal.

Eu amo os arranhões na minha perna quando você está feliz ou quer me pedir algo no caminho para a cozinha, eu amo seu jeitinho de tomar sol todo dia, amo dar banho em você, que é o mais rápido de todos.


Amo fazer as pentelhadinhas de Xuxinha e esticar as suas orelhas fazendo "biiiiscoito", nossas brincadeirinhas favoritas. Amo cantar "Xuxinha bonitinha". Amo sua carinha de quem sorri. Amo quando você tira carrapatos dos outros cachorros e quando me mordisca a perna e os braços. Amo ser sua mãe. E lamento muito não ter feito mais para você, não ter evitado sua partida, para mim ainda precoce, apesar de não saber quantos aninhos você tinha de verdade.

Também vim te contar que a Juana ficou um dia inteiro deitada sobre as roupas limpas, como você fazia e nada a tirou de lá. Que o Zé Luís está triste e que a Hanna me olha querendo saber onde você está quando pego sua coleirinha. Que esta noite eu sonhei que encontrava duas filhotinhas na rua iguais a você.


Vim te diz quer da última vez que perdi um amigo de quatro patas foi há 13 anos, depois de 9 anos de convivência e cumplicidade, mas eu não estava com ele naquele momento. Com você foi diferente. Estive ao seu lado nos seus últimos instantes. A dor de te ver ir embora foi insuportável, mas uma coisa me consola e é maior do que o resto: 
sei que para você foi importante eu estar ali. Você foi embora ouvindo a minha voz, sentindo o meu calor no seu corpinho e tenho certeza de que isso te deixou mais confortável, mais segura. Tenho certeza que você sentiu o tamanho do meu amor. E, por isso, aposto que logo estará de volta, Xuxu.


Eu fico em paz, Pacotinho, porque eu sei que você não sofreu. Eu te queria aqui comigo, mas não queria te ver sofrer. Sei que você entendeu as minhas palavras enquanto sua respiração voltava e, por isso, partiu em paz.



Meu biscoito, meu pacotinho, minha linguicinha, meu Robin, meu coraçãozinho, meu pischerbull, quero que você saiba, aí de onde você estiver, junto com o Dungão, a Pandora, o Rick Splinter e o Herói, que eu te amo infinitamente!! E estou esperando pela sua volta. Até breve!








quarta-feira, 1 de julho de 2015

Viagens de uma menina em um país destruído pela guerra




Após o 11 de setembro, o Afeganistão ganhou, em todo o mundo ocidental, mais que um lugar no mapa do Extremo Oriente. Apesar dos problemas políticos enfrentados desde os anos 1970 – guerra civil, controle do exército, perseguição às mulheres, êxodo urbano, fome e destruição das cidades –, o país só teve destaque internacional depois de ser tornado culpado pelos ataques terroristas aos EUA, em 2001.

Foi assunto nas páginas dos jornais, objeto de estudo de disciplinas escolares, entrou para o rol dos protagonistas de fatos históricos e inspirou obras de ficção e não-ficção na mesma proporção de acontecimentos como a Guerra do Vietnã.

Em meio a tudo o que se falou sobre o Afeganistão, a escritora canadense Deborah Ellis merece destaque. Ela desponta como a criadora de histórias e personagem tais quais aquelas que outras grandes tragédias conseguiram produzir e imortalizar. A garota Parvana dos livros “A Outra Face” (Ática) e “A Viagem de Parvana” (Ática), que ela construiu para falar de abandono, preconceito e esperança no Afeganistão dominado pelo Talibã e destruído por bombas pode ser comparada com outra personagem-ícone da literatura juvenil, Anne Frank, de “O Diário de Anne Frank” (Record).

Ambas nasceram dos escombros de guerras, são adolescentes, perderam os pais – que ou foram levados pela milícia ou morreram –, têm que aprender sozinhas a lidar com a fome, o medo, a solidão, entraram para a vida adulta precocemente e têm em seu diário um refúgio para a pouca esperança que resta e para os sonhos que ainda não morreram em meio a uma realidade tão áspera.

A diferença entre os livros é que “Anne Frank” é um registro do drama vivenciado pela protagonista durante a 2ª Guerra Mundial, enquanto as tramas em torno de Parvana, de 11 anos, são apenas baseadas em histórias reais que sua autora ouviu em campos de refugiados na Rússia e no Paquistão.

No primeiro livro, Parvana vive com os pais e três irmãos em um cômodo de um prédio em ruínas porque a casa deles foi destruída por uma bomba. Como o pai perdeu uma das pernas durante um ataque à escola onde ele lecionava e a mãe não podia mais trabalhar por determinação do Talibã, a família vivia dos trocados conseguidos com a venda das poucas roupas, móveis e objetos fúteis que guardavam e das cartas que o pai escrevia ou lia no mercado.

Uma noite, em meio ao jantar da família, homens do Talibã invadem o lugar e levam o pai de Parvana. A esposa, desesperada, sai à procura do marido. Parvana fica e quando o pai volta, saem eles em busca da família.

Parvana veste-se como um menino para poder fazer pequenos trabalhos e não ser levada pelo Talibã, e, de vila em vila, aprende com o pai outras línguas, astrologia, geografia, história e matemática – enquanto caminha, Parvana faz contas para o tempo passar mais rápido – e descobre a importância dos livros – com alguns dos que conseguiram esconder da milícia e levar na viagem.




O segundo livro começa com o enterro do pai de Parvana. A garota é acolhida por amigos dele, mas logo precisa fugir porque planejam entregá-la ao Talibã.

Ela retoma a busca pela mãe, mas o que encontra pelo caminho são uma aldeia destruída onde há um único sobrevivente – um bebê de um ano que ela decide levar na viagem -, uma caverna confortável habitada por um garoto que também perdeu os pais e um campo minado em meio ao qual uma garota e sua avó inválida vivem dos restos de animais e pessoas atingidas pelas bombas subterrâneas.

Todos juntos, as quatro crianças e a mulher, fazem do lugar um vale encantado onde estão protegidos da fome, da dor e da solidão e onde podem sonhar com o dia em que um adulto lembrará por eles de ferver a água antes de beber, com o dia em que não terão mais de contar as colheres de arroz para comer e poderão dormir sem o barulho das bombas estourando nas vilas e sem o choro e o grito de dor das pessoas.

Estes momentos mostram como é relativa a importância de objetos como um sabonete – aparentemente tão simples para quem os têm em abundância – e como uma caverna pode se tornar um abrigo confortável e seguro quando o que resta das casas são apenas cinzas.

As situações vividas por Parvana são, de fato, muito distantes da realidade dos jovens brasileiros, mas poderíamos aproximar sua luta, seu sofrimento – “Não sinto que sou eu mesma. A parte de mim que eu era foi embora. Sou apenas parte desta fila de gente. Não sobrou eu. Não sobrou nada” – e sua capacidade de solidarizar-se com o outro em meio a tanta desconfiança e traição aos dramas dos retirantes nordestinos que Graciliano Ramos narra em “Vidas Secas” e Raquel de Queiroz em “O Quinze”, entre tantos outros.


Trechos de “A Outra Face”
Ela não ousava dizer isso em voz alta. O homem sentado ao lado de seu pai não ia querer ouvir sua voz. Nem ele nem ninguém no mercado de Cabul. Parvana estava lá só para ajudar o pai a andar até o mercado e voltar para a casa depois do trabalho.”

A maioria dos afegãos não sabia ler nem escrever. Parvana era um das poucas que tinham essa sorte. Seus pais tinham frequentado a universidade e acreditavam na educação para todos, até para as meninas.”

Parvana nunca estivera em uma prisão, mas alguns de seus parentes já tinham sido presos. Todos os governos afegãos punham os inimigos na cadeia. – Você não é afegão se não conhecer ninguém que já esteve preso – dizia sua mãe.”

“ – Nós somos afegãos. Este é o nosso lugar. Se todas as pessoas cultas forem embora, quem vai reconstruir o país? – dizia o pai de Parvana.”



Trechos de “A Viagem de Parvana”

“ – Algumas pessoas morrem antes de morrer. Elas precisam de descanso e de um médico que saiba cuidar delas, para voltarem a acreditar que algo melhor poderá ocorrer. Evite essas pessoas, Parvana. Você não pode ajudá-las e elas levarão sua esperança embora.”

Ela fez uma trouxa de alimentos, com farinha, arroz, cebolas, cenouras e alguns damascos secos – era toda a comida que tinha achado. (...) Por último, acrescentou um achado maravilhoso – um sabonete embrulhado num papel estampado de rosas.”

Parvana havia visto, a distância, os turbantes negros dos soldados do Talibã. Rumavam para a vila. Se a encontrassem e pensassem que era um menino, poderiam forçá-la a entrar para o exército. Se a encontrassem e descobrissem que era menina... Era horrível demais para pensar.”

Ali dentro ela conseguia ficar em pé sem tocar o teto e podia esticar os braços. Havia também espaço de sobra para bagagem. As rochas se erguiam ao seu redor como um casulo, criando um abrigo aconchegante onde ela poderia dormir em segurança...”

Talvez eu devesse deixar o bebê também. Esses meninos não são meus irmãos. Não são problema meu.”

É duro recordar que costumávamos tomar sorvete e comer bolo. Era mesmo eu? Devo ter sonhado. Não vivi essas coisas? Minha vida é pó e pedra e meninos estúpidos e bebês magros e longos dias em busca de minha mãe.”

Talvez, quando eu for velha e passar todo o tempo sonhando debaixo do sol, serei capaz de acreditar nessas coisas de novo. Mas no que acreditar até lá?”

“ – Tem água lá, se quiserem beber – disse o homem, apontando para um barril que coletava água da chuva. – Se a água é boa para as galinhas é boa para vocês.”

Estou cansada de ter de lembrar das coisas. Quero alguém para lembrar para mim.”

Tanques são uma coisa normal. Bombas são uma coisa normal. Por que comer não pode ser uma coisa normal, também?”


De um jeito ou de outro irei para a França em menos de vinte anos, e esperarei por você no topo da Torre Eiffel.”


domingo, 17 de maio de 2015

Lembranças de Ariano

Ariano Suassuna entrou na minha vida quando ainda estava na faculdade. Durante uma viagem de São Paulo a Bauru, levei "O Auto da Compadecida". A viagem era de madrugada, todos os outros passageiros dormiam e eu me contorcia para controlar o riso.

Li o livro praticamente todo durante os 330 km entre uma cidade e outra, mas tive que reler mais duas vezes porque não me continha de alegria com suas histórias.

Era uma leitura divertida, adorável, sarcástica, linda, tudo ao mesmo tempo. Como o doce autor, que tive o prazer de conhecer anos atrás, em São Carlos.


Nessa profissão que me ensinou que devemos separar obra de autor e que podemos amar a primeira, mesmo sabendo que o segundo é um ser humano passível de erros como eu e você, Ariano se mostrou a melhor das exceções.

Aquele senhor de 80 e tantos anos ainda tão lúcido nos fez morrer de amores, sorrir, chorar e lamentar ao pensar que o maior escritor brasileiro vivo logo não estaria entre nós, por forças maiores.

Como qualquer grande momento de nossas vidas, aquela hora que passei no Teatro de São Carlos me fizeram flutuar de emoção - mesmo porque uma das poucas vezes em que me deparei com um dos meus escritores favoritos.

Mas como nosso cérebro é falho, as lembranças se vão. 


Para nos curar disso, ficam os documentos visuais. Dois vídeos que fizemos de sua visita e que me fizeram feliz mais uma vez ao encontrá-los. Quem, sabendo que a vida está por chegar ao fim a qualquer momento, poderia dizer "Sou um homem de esperança" e crer querer em um mundo melhor?!! Ariano, só ele!!

Compartilho os vídeos para quem não pôde partilhar pessoalmente desse momento especial. As fotos são de Daniel Barreto.