sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Saramago e Eu

Um post de 23 de junho de 2010, um dia depois da morte de José Saramago

Gosto muito de dirigir. Em parte porque na maioria das vezes estou sozinha, sem o barulho do rádio que eu não tenho. Então, me perco em pensamentos. E esqueço do mundo.
Sexta-feira, quando voltava para a casa, à noite, tentando assimilar tudo o que aconteceu no meu dia estranho fiquei me perguntando porque estava tão abalada com a morte de José Saramago.
A uma das pessoas que me perguntaram porque estava tão triste disse que ele era parte da minha família, parte da minha vida.
E era. Por causa dessa coisa fantástica que só a literatura, a música e as artes em geral podem fazer por nós, que é colocar lado a lado, por meio de ideias, gente que nunca se viu, gente que nunca vai se ver, mas que vai servir de estímulo e referência para o outro, de várias maneiras.
Se Saramago não era parte da minha vida, era o que então?
Em 1996, quando eu tentava entender todas as transformações pelas quais passava a minha casa,, a mudança dos meus pais, a rotina em um lar que não era o meu, não ter lugar que me pertencesse, a distância do meu pai e ainda vivia toda a expectativa do primeiro vestibular, de ter esta profissão, ir para outra cidade, mudar novamente de amigos... ele estava lá!
Foi naquele ano que li "Memorial do Convento" e tive meu primeiro contato com um romance histórico.
Para conseguir assimilar as minhas dificuldades e lidar com meus sentimentos e conter a minha eterna sede de conhecimento, me joguei para dentro de uma história sobre a transposição de uma pedra gigante por caminhos incontáveis para atender à vaidade de um rei; histórias de bruxas queimadas, loucos que queriam voar e ver o sol... histórias de sonhos, amor, delírio, fantasia e verdade...
Dois anos depois José Saramago voltou a passar dias, tardes e noites comigo. Em meu primeiro ano de faculdade, enquanto eu descobria Bauru, a Unesp, fazia novos amigos, tentava tolerar as insuportáveis colegas de república (nunca fui muito boa nisso), li também "Ensaio sobre a cegueira".
No lugar menos visitado da casa, a sala de leitura com seu carpete vermelho e sofás de alvenaria sem almofadas, entendi a que ponto de intolerância, preconceito, falta de escrúpulos e amor pode chegar o ser humano.
Nestes momentos de grande solidão e mudanças da minha vida, éramos só eu e ele, Saramago.
Se eu superei tudo isso e como passei por estas fases, não importa. Importa é saber que mesmo depois de ter partido ele poderá me fazer companhia muitas outras vezes, sempre que eu precisar. 
No final do ano passado, sua 'Viagem do Elefante' me fez companhia em horas de alguma dor e alegria... um presente do Du no meu aniversário de 2009... Li o livro em duas, três noites, algo que odeio fazer... gosto de ficar com o livro por muito tempo...
Hoje, folheando novamente o livro - que Saramago dedica a Pilar, sua esposa e revisora , com o acréscimo de ' que não deixou que eu morresse' - encontrei estas observações:
"Com as boas ideias, e às vezes também com as más, passa-se o mesmo que se passava com os átomos de demócrito ou com as cerejas da cesta, vêm enganchadas umas nas outras"
"Somos, cada vez mais, os defeitos que temos, não as qualidades"
"É fácil de aceitar que um centímetro no mapa equivalha a vinte quilómetros na realidade, mas o que não costumamos pensar é que nós próprios sofremos na operação uma redução dimensional equivalente, por isso é que, sendo já tão mínima coisa no mundo, somos infinitamente menos nos mapas"
"As famílias felizes não têm história. Também os elefantes felizes não parece que a tenham"
"No fundo, talvez os homens e os elefantes não cheguem a entender-se nunca"
"Uma coisa boa que a ignorância tem é defender-nos dos falsos saberes"
E a minha preferida de "A Viagem do Elefante" por razões óbvias... mas óbvias só se você souber o que é um nariz de cera...
"... subhro pensou que tinha acabado de proferir uma frase estúpida, daquelas que poderiam ocupar um lugar de honra na lista dos narizes-de-cera"
"As ficções que contam, fazem-se com uma continuada dúvida a inquietação de saber que nada é verdade e ser preciso fingir que o é"

"Sobre o entendimento das coisas, até onde se pode, e aonde, a não ser por elas, não se chega"

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Solano Trindade e a Literatura Afrobrasileira

No livro "Malungos na Escola - Questões Sobre Culturas Afrodescendentes e Educação", Edimilson de Almeida Pereira (Editora Paulinas) divide a literatura negra em duas classes - aquela feita por autores negros, mas sem temas diretamente relacionados a suas origens, e aquela feita por negros e não negros com temática essencialmente negra.
Na primeira lista estão Machado de Assis e Lima Barreto, por exemplo.
Na segunda, embora não esteja na relação de Edimilson, que trata de escritores mais contemporâneos, podemos listar Solano Trindade.
Este pernambucano nascido no Recife, no dia 24 de julho, há 106 anos, pode ser considerado o maior nome da literatura negra no Brasil - foi ele o primeiro a escrever especificamente para negros e sobre negros.
Como tantos outros negros acuados deste país, Solano Trindade cresceu em uma família que, socialmente, se dizia católica, mas nos fundos da casa falava iorubá e virava no santo.
Mas, para falar das suas origens, divulgar a cultura e os intelectuais negros e, sobretudo, para defender as minorias, o povo, Solano não se prendeu a seus versos. Foi militante, fundou frentes e centros culturais, veio até o Sul e Sudeste do País para fazer teatro popular e fundou um pólo de cultura e tradições afros, voltado também para o folclore e a denúncia do racismo.
Partidário de Luiz Carlos Prestes, foi preso duas vezes pela Ditadura Militar no Estado Novo, uma delas por causa dos versos do poema "Tem Gente Com Fome", publicado no livro "Poema de Uma Vida Simples", de 1944.
O legado - Como legado deixou os livros "Poemas de uma vida simples", "Poemas Negros", "Seis Tempos da Poesia" e "Cantares do Meu Povo", e o aclamado poema "Trem suja da Leopoldina". Além a filha Raquel, que dissemina seus estudos e criações e dá continuidade às pesquisas da cultura afrodescendente no Brasil através da dança e das artes plásticas. E do neto Vitor da Trindade, que gravou com os filhos Manu e MC Trindade um CD com as poesias do avô.
Elogios dos cânones - Sem constar nas enciclopédias literárias e livros didáticos, Solano Trindade, poeta que fazia poesia ao "estilo do nosso populário, buscando no negro o ritmo, no povo em geral as reivindicações sociais e políticas e nas mulheres, em particular, o amor" - segundo suas próprias palavras, foi reconhecido por quem figura entre os cânones. 
Sobre "Poema do Homem" e "O Cantos dos Palmares", Carlos Drummond de Andrade disse: "Há nesses versos uma força natural e uma voz individual, rica e ardente, que se confunde com a voz coletiva".

Para o ensaísta e crítico literário Sérgio Milliet, o livro "Cantares ao meu Povo" é a tomada de consciência do que Sartre chamou de negritude.
A história de Solano Trindade também está no documentário "Solano Trindade 100 anos", de Alessandro Guedes e Helder Vieira, vídeo que traz depoimentos de familiares, amigos e estudiosos e registros audiovisuais do poeta que escreveu uma das minhas frases preferidas - "Me tornei cantiga determinadamente e nunca terei tempo para morrer".No vídeo abaixo, Raquel Trindade declama "Trem Sujo da Leopoldina", em trecho do documentário "Geraldo Filme". Confira.





quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Paulo Coelho chocou meu ovo! De novo!

Depois de implicar com o suposto ovo estralado do Paulo Coelho, eis que hoje quem se deu mal com ele fui eu. Praga, diria minha avó. De longe, ele está fazendo bruxarias para estragar a minha janta.
Fiz um pedido para entrega com três omeletes, lanche, sucos e refrigerantes às 18h30 desta quarta-feira, 15 de janeiro, e até agora, 20h55, não vi a cara da comida.
Quando liguei, o prazo para entrega era de 40 minutos, ou seja, pouco depois das 19 horas. Fui legal, não reclamei e só liguei para cobrar o pedido uma hora depois do horário em que deveria ter recebido o produto.
A minha esperança era ouvir um 'está a caminho' porque da lanchonete até onde estou são cinco minutos de moto devagar. Andando, não daria meia hora.
Mas não, a atendente não teve piedade de nós. Disse que ia demorar mais 30 minutos.
Os motivos foram muito consoladores:
- Hoje foi dia de entrega de mercadoria e eles estavam separando os produtos;
- Seu pedido tinha omelete e omelete demora para ser feito;
- Quando você ligou liguei ainda estava fechado
É, então, é justamente por isso que eu ligo cedo, para ter uma certa preferência no atendimento, supondo que os pedidos são feitos pela ordem em que chegam.
Agora já se vão duas horas e meia desde que fiz o pedido e ainda não recebi a entrega!! Segunda a atendente, saiu faz meia hora. Deve estar vindo de camelo.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

O Ovo do Coelho

A minha implicância com o senhor Paulo Coelho é de longa data, desde muito antes de começar a fazer o blog Paulo Coelho Não é Literatura!. Na época em que ela se tornou pública, em setembro de 2008, fiz um post explicando os porquês que reproduzo aqui para alegrar o dia).

"Me perguntaram porque eu acho que Paulo Coelho não é literatura. Paulo Coelho é como aquele cachorro-quente prensado, feito com pão velho e salsicha dura, que só come quem não tem outra referência. Podem dizer, a comparação é 'de butiquim', mas quem disse que Paulo Coelho merece mais de mim?!!!!"

Apesar dos defensores - dele, não os meus -, eu sempre encontro pelo caminho aqueles que compartilham desse desamor que alimento em mim, para dizer pouco. E hoje apareceu mais um para esta lista dileta: o ator e escritor Gregorio Duvivier.

No artigo "O Ovo" ele reescreve uma frase comum como o fariam escritores famosos. E lá no fim, para compensar todo o texto, que não chega a ser dos meus preferidos do autor, está o famigerado escritor, como um presente para quem conhece a língua e entende de ironia.

"Carlos acordou com a perna meia dormente. Para ficar com menas dor, recorreu a uma simpatia. Foi até a cozinha e fez um ovo estralado." - Paulo Coelho

Para ver o texto completo, clique aqui.

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

A Sangue Frio e o Caso Nardoni

Post original de 27 de junho de 2010, do blog Paulo Coelho não é Literatura!

A melhor parte de se ter um blog é que, ao contrário do jornalismo, não se precisa ter compromisso com o factual. Pode-se falar sobre o que quiser, quando quiser.

Na verdade, o que eu vou comentar agora tem gancho factual, mas ele já passou, por isso a justificativa acima.


Durante o julgamento do casal Nardoni eu estava lendo "A Sangue Frio", de Truman Capote. O livro é um clássico do jornalismo literário e todo jornalista que se preze tem que ler... se não este, pelo menos outro livro do Capote... é uma referência para quem quer fazer o que eu me esforço pra fazer aqui...

O livro, só pra contextualizar e ligar as duas histórias, fala sobre o assassinato de uma família ordinária numa cidadezinha pacata do Meio-Oeste americano...

Apesar da história ser boa, é o que menos importa no livro. O que o torna grandioso é a forma como a história é contada.

Capote dá detalhes de todas as situações, desde o crime, a fuga e o envolvimento dos criminosos, a reação das pessoas da cidade diante do crime, a reação dos próprios assassinados, e amarra a trama de uma forma que só seria possível se tivesse entrevistado todos os envolvidos em todos os cenários (o que não ocorre com a família durante o assassinato em momentos em que algumas pessoas da família estão sozinhas)

Foram anos de pesquisas, entrevistas, mas parte desta história é literatura, ficção necessária para amarrar o texto... Muita gente acha que não, mas aí voltamos à discussão mais infeliz da literatura brasileira - Capitu traiu ou não traiu Bentinho? Pra mim, irrelevante... importante é como Machado de Assis arma a sua trama..

Voltando ao Capote, a história foi para o cinema, ganhou Oscar e tudo, mas não tem a mesma narrativa de Capote, que sai da narrativa em terceira pessoa para primeira pessoa de um jeito muito habilidoso e envolvente. O filme tem como mérito a exposição da amizade entre Capote e um dos criminosos, com o qual ele teria se envolvido emocional e sexualmente. Tem também uma fotografia linda, e linhas horizontais belíssimas (não sei se tem um nome técnico pra isso... tipo o plano americano, que pra mim era só uma foto de meio corpo...rsss... valeu, Kris...)

Fiquei pensando, por ocasião do julgamento dos Nardoni, que logo deve aparecer alguém querendo contar esta história, mas infelizmente os casos policiais parecem não merecer mais, não pelo menos nas últimas décadas, o tratamento que Capote comprovou que podem ter. Com sangue sim, com muita força, com muito impacto, mas também com muita poesia, muito cuidado e um certo aspecto humano que, por mais chocante que seja, levanta reflexões acerca do que é e onde pode chegar o tal ser humano.


segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Africanos... JM Coetzee e 'No Coração do País'

Quando o escritor sul-africano J. M. Coetzee ganhou o Prêmio Nobel de Literatura, em 2003, lá fui eu atrás de seus livros para saber o porquê da premiação.
Na Biblioteca Mário de Andrade, aqui em Araraquara, encontrei "À Espera dos Bárbaros", uma narrativa árida sobre uma sociedade totalitária que espera apenas ser tomada pelos bárbaros, em uma referência clara ao apartheid.
Um tempo depois, achei em promoção na internet "No Coração do País" e comprei. Ficou uns dois anos na minha estante até eu me animar a ler. Estava me preparando para mais uma história sem "flores e pôr-do-sol".
Mas descobri que o que dizem de Coetzee é verdade - ele nunca usa os mesmos recursos em sua obra.

"No Coração do País" - que não é uma história de flores e pôr-do-sol - é o diário de uma jovem branca que vive no meio da região desértica da África do Sul junto com o pai e os empregados negros da fazenda. Sem ter com quem dividir seus desejos, vontades e idéias, ela transfere tudo isso para o papel.
Ela se ressente muito do fato de ninguém notar que ela é tão inteligente, tão inventiva e também transfere tudo isso para as páginas. Vai criando histórias que, a certo ponto, o leitor não sabe se são verdadeiras.
Há passagens lindas em "No Coração do País", mas a que mais me impressionou - e aí posso dizer que foi uma das coisas mais incríveis que já li - é quando ela conta como foi estuprada por um dos funcionários da fazenda.
A cena é narrada cinco vezes consecutivas. Na primeira, uma explicação dura e direta. Ela perdeu os sentidos e se lembra apenas do corpo batendo repetidamente na madeira dura do chão.
Mas a narrativa vai ganhando ritmo e expressão. Na terceira narrativa, ela já consegue falar dos cheiros, das reações do seu corpo. Até que na quinta versão da mesma história a violência tem um tom quase consensual - ela está deitada na própria cama, sabe que ele irá entrar e ela mesma tira o vestido.
Quando termina a seqüência, tem-se a impressão de que, na verdade, foram cinco estupros, mas não. São cinco formas de ver a mesma coisa. Ou imaginar. Porque nada garante que tudo isso não seja fruto da imaginação dela.

A todo o momento a personagem - cujo nome só se descobre quando faltam 50 páginas para terminar o livro - deseja que alguém, um homem, tome seu corpo. Mas acha que ninguém irá querer fecundar algo tão seco e duro.
O fato é que o desenrolar dessa narrativa, o ritmo dela, vai deixando o leitor louco, e você quer chegar ao final das cenas para saber se foram ocasiões diferentes ou não, ou se ela está inventando tudo. É muito louco e muito bom.
Pontos para o carrancudo Coetzee, que não dá entrevistas e odeia - declaradamente, porque acho que todo escritor tem a mesma opinião sobre isso - análises sobre sua obra.

Ah, sim, os livros mais comentados de Coetzee não são nem "No Coração do País", nem "À Espera dos Bárbaros" - são "Desonra" e "Vida e Época de Michael K". Ou pode ficar melhor ou eu discordo da visão geral porque acho que nenhum outro livro dele pode ser tão bom quando "No Coração do País". A impressão é que tenho que relê-lo em outros momentos da minha vida.

Para compartilhar um pouco dessa obra, seguem trechos preferidos:


"
Eu sou a que fica no quarto, lendo, escrevendo ou combatendo enxaquecas. As colônias estão cheias de moças assim, mas nenhuma, acredito, tão extremada quanto eu."

"
Estava ausente. E não sentiram minha falta. Meu pai não dá atenção a minha ausência. Para ele, tenho sido uma ausência na vida."

"É possível que tenhamos falado? Não, não podemos ter falado, devemos nos ter afrontado em silêncio, a mastigar o decorrer do tempo."

"O tempo na fazenda é o tempo das vastidões, sem pequenezas. Resolutamente me oponho ao tempo cego e subjetivo do coração com suas golfadas de euforia e seus rojos de tédios: meu pulso tem o palpitar constante da civilização."

"Mas que outra história existe sobre mim? O casamento com o segundo filho do vizinho? Não sou uma camponesa feliz. Sou uma virgem negregada e miserável, e minha história é minha história, mesmo que se trate de uma história grosseira negra cega idiota miserável, ignorante de seu significado e de todas as suas possíveis e inexploradas variantes. Eu sou eu. Caráter é destino. A história é Deus. Rancor, rancor, rancor."

"
A essência da servidão é a intimidade do servo com a imundície do amo."

"Mas quem me dera ser meramente comum, ser uma herdeira comum e corrente, plácida, oca, ansiosa por não morrer solteira, disposta a se confiar de corpo e alma ao primeiro que passasse, até mesmo a um mascate ou um professor itinerante de latim, e parir-lhe seis filhas, e suportar-lhes insultos e pancadas com resignação cristã, e viver uma vida decente e obscura em vez de apoiar-me no cotovelo e mirar-me no espelho numa atmosfera de crescente melancolia e perdição, se é verdade o que me dizem meus ossos."

"Hendrik arranjou uma esposa porque já não é moço, porque não quer que seu sangue desapareça da terra para sempre, porque passou a temer o cair da noite, porque o homem não foi feito para viver sozinho."

"Nada sei de Hendrik. O motivo é que, durante todos esses anos que passamos juntos na fazenda, ele permaneceu em seu lugar e eu mantive a distância; e a combinação das duas coisas, permanecer em seu lugar e manter a distância, fez com que meu olhar pousado nele e seu olhar pousado em mim tenham sido sempre gentilmente incuriosos, remotos."

"As palavras são moeda. As palavras alienam. A linguagem não é o veículo do desejo. O desejo é rapto, não troca. Só à medida que o aliena a linguagem o domina."



domingo, 5 de janeiro de 2014

A Viagem de Saramago

Postagem original de 27 de outubro de 2009, em Paulo Coelho não é Literatura!

Terminei de ler esta semana o livro "A Viagem do Elefante", do Saramago, e recebo agora a comunicação da Cia. das Letras com o lançamento de "Caim". Não há tempo que me valha para tudo que eu quero ler...
Em seu novo livro, Saramago reconta episódios do Velho Testamento sob o ponto de vista polêmico de Caim. Depois de assassinar o irmão, ele faz um acordo com Deus e ruma em direção a cidades decadentes, estábulos, campos de batalha, enfim o submundo dos primórdios da humanidade.
Em "A Viagem do Elefante" ele conta em um conto, não romance, a trajetória lenta de um elefante e a comitiva real de Portugal à Hungria. Como é comum em narrativas em que o personagem principal é um animal - "O Burrinho Pedrês", do Guimarães Rosa, por exemplo, que eu adoro e já citei aqui outras vezes -, o elefante aparece humanizado em muitas situações.

Passa por herói, é milagreiro, tem mais poder de decisão que o rei ou o imperador, por exemplo, para determinar quando o comboio segue ou deve dormir porque sua saúde é o mais relevante neste caminho...
Não é nem de longe o melhor livro do português, mas é sempre algo acima da média dos amigos que estão por aí ganhando prêmios... e é além da média especialmente nos momentos em que ele ironiza a capacidade intelectual do rei de Portugal.
Eu ia terminar o post com alguns trechos do livro - presente de aniversário do Zé Eduardo, que me deu os melhores livros que eu li nos últimos anos -, mas eu o esqueci em casa, minha nova casa, que alegria!!

Então, fico devendo uns trechos que eu risquei no papel para, de vez em quando, voltar a ler... riscos nas páginas do livro... algo que o Zé Eduardo odeia e não entende...

sábado, 4 de janeiro de 2014

Agualusa caindo do céu...

Esta é uma postagem original de "Paulo Coelho não é Literatura!", de 07 de dezembro de 2009. Texto na íntegra. 


Para terror do meu querido amigo Luis Cezerilo, o angolano José Eduardo Agualusa acaba de lançar um novo livro, "Barroco Tropical", primeira publicação dele no Brasil pela Cia. das Letras. É, Luis, ele está cada dia mais água, mais luso...
Neste novo trabalho ele conta a história de uma mulher que cai do céu diante de um escritor e sua amante, na Luanda de 2020.
Como em outros de seus livros, Agualusa alterna na narração entre o escritor Bartolomeu Falcato e sua amante, a cantora Kianda.
A mulher que cai do céu é uma modelo e ex-miss que dormiu com grandes políticos e empresários, por isso conhecia muito dos bastidores dos negócios e da política e não era tão mais necessária nesta dimensão.
A história é o ponto de partida para tratar da Angola atual e da convivência conflituosa entre as tradições ancestrais e a modernidade neste país. Neste cenário aparecem mães-de-santo e curandeiros com fama internacional, empresários da aviação, militares golpistas, traficantes de drogas e armas e outros personagens pitorescos.
Mas não é só de Angola que trata o livro. Brasil e Portugal também aparecem com sua cota de contribuição para a miscelânea cultural, social e política do país africano.
O livro custa R$ 44 e tem 344 páginas.
Para quem quiser conferir outros livros de Agualusa, as sugestões são: "Nação Crioula", "Estação das Chuvas", "As Mulheres de Meu Pai", "O Vendedor de passados" e "O ano em que Zumbi tomou o Rio".

A culpa é sua, Vinícius!

Quando eu tinha 12 anos, uma das minhas inseparáveis amigas, Renata Cordeiro, apareceu em casa com um livro de poesias para fazermos uma sessão de leitura. Na sala da casa da minha avó ou na mureta da casa dela, passávamos horas acompanhadas deles, Vinícius e sua antologia.
Essas horas com alguns dos poemas não eram suficientes. Consegui com minha tia Carmen, professora de língua portuguesa e dona de uma estante cheia de livros que me convidavam para ficar o tempo todo, uma edição só minha. Eram dias e noites com ele. Anos, lendo, relendo, vivendo os poemas, riscando os livros, decorando os preferidos.
Nas palavras de Vinícius estavam os desejos e sonhos de um amor sem limites que eu ainda não conhecia. Um amor devastador, sem limites, de total entrega e que não importava a quem, ele existia por si mesmo. Só pelo prazer de ser.
Nunca mais ele me deixou e eu dizia: seria sua décima mulher se ele ainda estivesse vivo. Queria poemas dedicados a mim, queria músicas eternizadas inspiradas por mim.
Mas um dia Hilda Hilst me atingiu em cheio. Lá no Livro das Letras diz ela à História que ele não sabia amar. Ela preferia que seus amantes lessem as poesias dele na cama para ela a estar com o próprio autor.
Havia algo de errado nisso, mas não pensei de imediato no estrago que ele fazia em minha vida. Só muitos anos depois, em meio a Que é melhor se sofrer junto que viver feliz sozinho”, “Viver cada segundo como nunca mais”, “o amor (...) é a vida quando chega sangrando aberta em pétalas de amor”, “a vida só se dá pra quem viveu, pra quem amou, pra quem chorou, pra quem sofreu”.
tantas experiências (sem adjetivos pra elas, é mais prudente), olhando pra dentro de mim, consigo ver que a culpa toda foi desse “quero vivê-lo em cada vão momento”, “rir meu riso e derramar meu pranto”, “em seu corpo morrer de amar mais do que pude”, “
Acreditei que a vida era isso mesmo, Vinícius. Me jogar do precipício com a certeza de que tudo ficaria bem, mesmo que algo não saísse assim como o programado,  mesmo que eu encontrasse os piores tipos pelo caminho... Eu daria conta de viver, eu seria forte o bastante para sair ilesa desse esfaqueamento que é o amor.

Pensando bem, deve ter faltado uísque, só pode. Porque eu estou sempre assim, aos pedaços. E a culpa, a culpa é sempre sua.

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Princesa Negra

Essa postagem foi feita inicialmente em 15 de dezembro de 2009, no Paulo Coelho não é Literatura! Alguns anos se passaram, mas o livro é lindo!! Republico o texto na íntegra.

Quem acompanha o blog já percebeu o quanto eu gosto de literatura infantil, sobretudo aquela relacionada à África, outra das minhas paixões.

Cheguei até a ministrar uma aula sobre o assunto no curso de História e Literatura Africanas, que a ONG Fonte realizou durante este ano, com recursos da Secretaria de Estado da Cultura, aprovado a partir de um projeto do professor Luiz Cezerilo, de Moçambique, que passou esta jornada conosco.

Esta semana achei em casa um livrinho (livrinho no sentido afetivo, não depreciativo) que resgata uma história popular da África Ocidental. "O Casamento da Princesa", de Celso Sisto.
(Um parêntese: por falar em princesa africana, semana passada a Disney fez a estreia mundial de "A Princesa e o Sapo", adaptação do clássico "O Príncipe Sapo", dos Irmãos Grimm, que tem a primeira princesa e protagonista negra de um filme de animação...

Imaginem... quanto tempo levou para isso acontecer... É a prova mais que concreta de que o preconceito ainda existe, senão ninguém teria notado este "detalhe")...
Mas voltando ao livrinho do Sisto, "O Casamento da Princesa" conta a história de Abena, a princesa mais bela da África, disputada pelos melhores pretendentes. Ela se apaixona pela Chuva, mas seu pai, sem saber disso, a promete em casamento ao Fogo. E para que todos honrem suas palavras, o rei promove uma disputa entre Chuva e Fogo em que o vencedor casará com Abena.




Com lindas ilustrações que favorecem as cores dos dois concorrentes da história, o livro trata de princípios e sentimentos como amor, honra, confiança, sempre de forma mágica e poética.


É uma dica para adultos que apreciam literatura infantil e educadores que trabalham com crianças...

Voltamos

O projeto
Os Implicantes nasceu dentro de um blog chamado Paulo Coelho não é Literatura!
Era uma página de literatura e mais, com espaço para as minhas implicâncias com o mundo... o mau atendimento, a chatice alheia, a minha, do vizinho...
PC morreu quando eu saí de uma empresa e fui para outra... ele foi tirado do ar do dia para a noite, sem direito a resgate do material... mas como o google é um cara muito esperto, me deu, por acaso, a chance de retomar tudo o que havia postado um dia nessa rede.
Volto agora com Os Implicantes porque neste um ano e meio as ideias dentro mim continuaram a borbulhar.
Vou retomar alguns textos publicados no filho saudoso para os manter vivos além dos meus arquivos... até começar novas postagens.
Um abraço!!