sábado, 4 de janeiro de 2014

A culpa é sua, Vinícius!

Quando eu tinha 12 anos, uma das minhas inseparáveis amigas, Renata Cordeiro, apareceu em casa com um livro de poesias para fazermos uma sessão de leitura. Na sala da casa da minha avó ou na mureta da casa dela, passávamos horas acompanhadas deles, Vinícius e sua antologia.
Essas horas com alguns dos poemas não eram suficientes. Consegui com minha tia Carmen, professora de língua portuguesa e dona de uma estante cheia de livros que me convidavam para ficar o tempo todo, uma edição só minha. Eram dias e noites com ele. Anos, lendo, relendo, vivendo os poemas, riscando os livros, decorando os preferidos.
Nas palavras de Vinícius estavam os desejos e sonhos de um amor sem limites que eu ainda não conhecia. Um amor devastador, sem limites, de total entrega e que não importava a quem, ele existia por si mesmo. Só pelo prazer de ser.
Nunca mais ele me deixou e eu dizia: seria sua décima mulher se ele ainda estivesse vivo. Queria poemas dedicados a mim, queria músicas eternizadas inspiradas por mim.
Mas um dia Hilda Hilst me atingiu em cheio. Lá no Livro das Letras diz ela à História que ele não sabia amar. Ela preferia que seus amantes lessem as poesias dele na cama para ela a estar com o próprio autor.
Havia algo de errado nisso, mas não pensei de imediato no estrago que ele fazia em minha vida. Só muitos anos depois, em meio a Que é melhor se sofrer junto que viver feliz sozinho”, “Viver cada segundo como nunca mais”, “o amor (...) é a vida quando chega sangrando aberta em pétalas de amor”, “a vida só se dá pra quem viveu, pra quem amou, pra quem chorou, pra quem sofreu”.
tantas experiências (sem adjetivos pra elas, é mais prudente), olhando pra dentro de mim, consigo ver que a culpa toda foi desse “quero vivê-lo em cada vão momento”, “rir meu riso e derramar meu pranto”, “em seu corpo morrer de amar mais do que pude”, “
Acreditei que a vida era isso mesmo, Vinícius. Me jogar do precipício com a certeza de que tudo ficaria bem, mesmo que algo não saísse assim como o programado,  mesmo que eu encontrasse os piores tipos pelo caminho... Eu daria conta de viver, eu seria forte o bastante para sair ilesa desse esfaqueamento que é o amor.

Pensando bem, deve ter faltado uísque, só pode. Porque eu estou sempre assim, aos pedaços. E a culpa, a culpa é sempre sua.

Um comentário:

  1. Sobre o amor partido, Fer...

    Ausência
    Eu deixarei que morra em mim
    o desejo de amar os teus olhos que são doces
    Porque nada te poderei dar
    senão a mágoa de me veres eternamente exausto
    No entanto a tua presença
    é qualquer coisa como a luz e a vida
    E eu sinto que em meu gesto
    existe o teu gesto e em minha voz a tua voz
    Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado
    Quero só que surjas em mim
    como a fé nos desesperados
    Para que eu possa levar
    uma gota de orvalho
    nesta terra amaldiçoada
    Que ficou sobre a minha carne
    como nódoa do passado
    Eu deixarei...
    tu irás e encostarás a tua face em outra face
    Teus dedos enlaçarão outros dedos
    e tu desabrocharás para a madrugada.
    Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu,
    porque eu fui o grande íntimo da noite.
    Porque eu encostei minha face na face da noite
    e ouvi a tua fala amorosa.
    Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa
    suspensos no espaço.
    E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
    Eu ficarei só
    como os veleiros nos pontos silenciosos.
    Mas eu te possuirei como ninguém
    porque poderei partir.
    E todas as lamentações do mar,
    do vento, do céu, das aves, das estrelas
    Serão a tua voz presente,
    a tua voz ausente,
    a tua voz serenizada.

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