No livro "Malungos na Escola - Questões Sobre
Culturas Afrodescendentes e Educação", Edimilson de Almeida Pereira (Editora Paulinas) divide
a literatura negra em duas classes - aquela feita por autores negros, mas sem
temas diretamente relacionados a suas origens, e aquela feita por negros e não
negros com temática essencialmente negra.
Na primeira lista estão Machado de Assis e Lima Barreto, por exemplo.
Na segunda, embora não esteja na relação de Edimilson, que trata de
escritores mais contemporâneos, podemos listar Solano Trindade.
Este pernambucano nascido no Recife, no dia 24 de julho, há 106 anos, pode ser considerado o maior nome da literatura negra no Brasil - foi ele
o primeiro a escrever especificamente para negros e sobre negros.
Como tantos outros negros acuados deste país, Solano Trindade cresceu em
uma família que, socialmente, se dizia católica, mas nos fundos da casa falava
iorubá e virava no santo.
Mas, para falar das suas origens, divulgar a cultura e os intelectuais
negros e, sobretudo, para defender as minorias, o povo, Solano não se prendeu a
seus versos. Foi militante, fundou frentes e centros culturais, veio até o Sul
e Sudeste do País para fazer teatro popular e fundou um pólo de cultura e
tradições afros, voltado também para o folclore e a denúncia do racismo.
Partidário de Luiz Carlos Prestes, foi preso duas vezes pela Ditadura
Militar no Estado Novo, uma delas por causa dos versos do poema "Tem Gente
Com Fome", publicado no livro "Poema de Uma Vida Simples", de
1944.
O legado - Como legado deixou os livros "Poemas de uma vida simples",
"Poemas Negros", "Seis Tempos da Poesia" e "Cantares
do Meu Povo", e o aclamado poema "Trem suja da Leopoldina". Além
a filha Raquel, que dissemina seus estudos e criações e dá continuidade às
pesquisas da cultura afrodescendente no Brasil através da dança e das artes
plásticas. E do neto Vitor da Trindade, que gravou com os filhos Manu e MC
Trindade um CD com as poesias do avô.
Elogios dos cânones - Sem constar nas enciclopédias literárias e livros didáticos, Solano Trindade,
poeta que fazia poesia ao "estilo do nosso populário, buscando no negro o ritmo, no povo em geral as reivindicações sociais e políticas e nas mulheres, em particular, o amor" - segundo suas próprias palavras, foi reconhecido por quem figura entre os cânones.
Sobre "Poema do Homem" e "O Cantos dos Palmares",
Carlos Drummond de Andrade disse: "Há nesses versos uma força natural e
uma voz individual, rica e ardente, que se confunde com a voz coletiva".
Para o ensaísta e crítico literário Sérgio Milliet, o livro
"Cantares ao meu Povo" é a tomada de consciência do que Sartre chamou
de negritude.
A história de Solano Trindade também está no documentário "Solano
Trindade 100 anos", de Alessandro Guedes e Helder Vieira, vídeo que
traz depoimentos de familiares, amigos e estudiosos e registros audiovisuais do
poeta que escreveu uma das minhas frases preferidas - "Me tornei cantiga
determinadamente e nunca terei tempo para morrer".No vídeo abaixo, Raquel Trindade declama "Trem Sujo da Leopoldina", em trecho do documentário "Geraldo Filme". Confira.
Nenhum comentário:
Postar um comentário